sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Falando sobre VINTE ANOS


Trago para a reflexão de meus amigos este interessante excerto de Daniel Sampaio, professor catedrático de Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Lisboa. Aqui o autor aborda, a partir de uma comparação dos jovens de 20 anos dos anos 60 com os de hoje, a necessidade da "transmissão do justo equilíbrio entre a experiência do passado e a verificação da novidade do presente", porque, na verdade, "o tempo atual também é dos mais velhos".

Há grandes e, por vezes, abissais distâncias entre um jovem de 20 anos e os referidos à época dos anos 60, 70... Realmente, são diferentes, como bem colocou o autor. A questão não é apontar os pontos fracos dos jovens de hoje, os fortes daquelas gerações e sim, a meu ver, tirarmos lições do que foi ganho com o passado e apreender o significado das posturas destes jovens. Talvez haja uma mesma contestação, só que expressada de forma diferente... Em que medida, também, somos nós os responsáveis por esta apatia?

Destaco uma crítica - sutil e elegante - feita pelo autor com relação ao sistema educacional. É imprescindível que os especialistas da área de Educação e a família se adaptem à nova realidade que cerca o jovem. Neste mundo onde a informação corre célere através da mídia, da Internet, particularmente, urge pensarmos todos um modo de encaixar valores éticos, um modo de se valorizar e preservar uma "consciência histórica" de si. Estabelecer pontes nestas distâncias que a cada dia parecem estar maiores... para que não se perca em nós mesmos e neles o sentido de tanta informação, para que não nasça o sentimento de que tudo é "normal" e tem o mesmo valor (como nos acostumam nos telejornais, onde ao lado de uma tragédia passa-se a um desfile de moda...).

Muito interessante a observação do autor quanto à percepção do que é real ou virtual para os nossos jovens de 20 anos; mas vou além: já para as nossas crianças também! A morte real de milhões lhes chegam da mesma forma que um combate virtual onde eles derrubam os maus. As aulas, muitas vezes, não necessitam ser presenciais. Há até mesmo "consultórios" e escritórios on line. Cirurgias e julgamentos, em alguns casos, já são feitos através de uma câmera. A conversa com os pais, em algumas famílias, é mantida através do Messenger, do Orkut, por exemplo... As relações sexuais já não necessitam do toque e há mais amigos virtuais que de carne e osso... A contestação pode vir tanto sob a forma de assinaturas virtuais em petições on line, quanto - de uma forma desvirtuada - de ataques desrespeitosos, que denigrem a imagem alheia...

É preciso sim que vejamos nestes jovens e em nós mesmos sobreviventes. Sobrevivem aqueles à impermanência; sobrevivemos nós à dissolução de um mundo hoje "retrógrado"... Aprendamos a estabelecer elos - virtuais, se preciso for; ajudêmo-los a criar elos reais...

Eis o texto de Daniel Sampaio:

Citação

VINTE ANOS

Quando tinha vinte anos li num livro de Fernanda Botelho (já não me lembro qual...) : "Vinte anos, a idade mais bela da vida (dizem...)" e fiquei, durante muito tempo, a pensar naquele "dizem". Na altura, não tinha qualque dúvida sobre a glória dessa época da vida : passadas as inquietações da adolescência, podia fazer tudo o que me apetecesse __ estudar na Faculdade de Medicina de Lisboa, divertir-me com amigos e amigas e combater Salazar nos movimentos estudantis.

Vivia-se uma época de grandes mudanças : as mulheres tinham abandonado a crença de que a maternidade e a gestão do lar seriam as suas únicas fontes de realização e começavam a estudar mais e a trabalhar fora de casa ; os filhos passaram a ser planeados através da contracepção e confrontavam-se com as dificuldades de muitos lares desagregados pelo divórcio ; a liberdade gritava-se na rua, nas barricadas do Maio de 68 ou na contestação à guerra do Vietname ; e a guerra colonial portuguesa, condenada em todas as instâncias internacionais, era mantida pelo autoritarismo da ditadura, obrigando muitos de nós a partir para uma luta sem sentido.

Foi uma época intensa, que recordo com alguma nostalgia ; ter vinte anos nos anos 60 significava lutar pela paz, pela liberdade a todos os níveis e em todos contextos, colocar sempre a verdade nas relações, viver novas expriências-limite sem os constrangimentos do passado. Foi bom ? Foi muito belo ! Não importa que os eternos críticos responsabilizem os anos 60 pela educação liberal na família e na escola, transmitida aos filhos pelos jovens de há quarenta anos e causadora, para alguns, do excesso de gratificação e permissividade visíveis nas crianças de hoje : a verdade é que a influência da maneira de pensar e de agir dessa época foi decisiva em muitos sectores. O que torna o balanço final bem positivo, se a análise tiver objectividade já permitida pelo tempo que passou.

E agora : o que significa ter vinte anos ? Impressiona verificar como tudo mudou e qualquer comparação não se justifica. As discussões actuais sobre se os jovens de hoje são melhores ou piores, ou se sabem mais ou menos coisas, carecem de sentido : são diferentes, e isso é que importa ter em conta.

Ter hoje vinte anos significa sentir na pele a precariedade do emprego e a necessidade de estudar mais. Compreender à sua custa o conceito de globalização e o fim das fronteiras rígidas, porque ninguém sobreviverá com sucesso sem conhecer o mundo, com tudo do bom e do mau que hoje nos é mostrado a cada instante. Perceber o fim das utopias que tudo pretendiam explicar, mas ter a certeza de que novas formas de participação cívica estão agora ao alcance de um blogue ou de uma petição online. Saber que nada é previsível porque um ataque terrorista pode matar milhares na vida real, ao mesmo tempo que um jogo virtual permite "destruir", com um só gesto, todos os "maus" das nossas estórias.

O mundo chega aos jovens de hoje através de um ecrã de um computador e a televisão tradicional em breve será para eles um objecto obsoleto, interessante apenas para pais e avós. Os seus ídolos são variados, e os seu gostos heterogéneos, porque o acesso à cultura já não depende apenas da transmissão dos mais velhos, chega-lhes por um sitio na internet ou pelo mail de um amigo.

A geração-net (dos vinte anos de hoje) não contesta os valores da sociedade de consumo, como fizeram os seus avós nos anos 60. Não adere às utopias revolucionárias de 70, nem se deixa convencer pelas raivas de 90 : tenta sobreviver no caos à sua volta, lidar coma flexibilidade dso valores que os circundam, procurar um sentido. Ter uma boa casa e um belo carro, como aspiravam os seus pais «, não é agora um objectivo primordial : o que interessa é conquistar a autonomia que possibilite encontrar a sua via para a felicidade.

Sempre conectados (iPod , MSN, SMS...), os jovens de hoje são capazes de fazer várias coisas ao mesmo tempo com toda a atenção__ aspecto que os professores ainda não entenderam: Como não sabem se o mundo alguma vez ficará mais estável, vivem cada momento e constroem os seus valores, mas o perigo está mesmo aí : ninguém sobrevive bem sem passado e sem referências.

O desafio para os educadores de hoje consiste na transmissão do justo equilíbrio entre a expriência do passado e a verificação da novidade do presente, porque o tempo actual também é dos mais velhos.

in : "Porque Sim" Daniel Sampaio
Ed caminho set/2009
Imagem de http://bloguilibri.wordpress.com/2009/06/27/porque-sim-daniel-sampaio/

Um comentário:

  1. Grande Leninha,
    Mui querida amiga.

    Acabo de apreciar o interessante e profundo texto, com que nos brindas. Na verdade, o meu comentário destina-se essencialmente a felicitar-te por mais esta partilha, carregada de valor. Quero também confessar a minha dificuldade em contribuir na discussão deste tema, devido ao facto de o teu comentário e o texto do autor complementarem-se de tal modo que pouco sobra para dizer. ESTAMOS TODOS CONVIDADOS A REFLECTIR E BUSCAR CAMINHOS PARA APROXIMAR AS PESSOAS. No meu caso, estou algures entre essas duas gerações, o que aumenta ainda mais a minha dificuldade em comentar sobre este interessante fenómeno. antes de terminar, gostaria apenas de assinalar que - no fundo do fundilho - as pessoas são geralmente mais parecidas do que se pode julgas à primeira vista. Basta que se consiga detectar e ultrapassar as diferenças no modo como dada pessoa (geração) se expressa, e logo-logo descobrem que defendem valores que não se excluem, embora o faças de modo aparentemente inconciliável.
    Estou contigo amiga

    ResponderExcluir

Campanhas que eu aprovo

Gentileza Gera GentilezaDoe mais que um clique
Procure uma entidade beneficente:
Diga não ao bloqueio de blogs