sábado, 31 de outubro de 2009

Aluna sendo expulsa da UNIBAN - A Fogueira atual


"Uma estudante causou alvoroço na Uniban, Universidade de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista. Tudo começou por que a jovem teria ido para universidade trajando um vestido rosa muito curto deixando assim os outros alunos alvoroçados. A PM teve que ser chamada ao local para conter os rapazes e moças que xingavam a estudante. As imagens, feitas de telefones celulares, mostram quando a jovem deixou a Uniban vestindo um jaleco branco, acompanhada dos policiais sob gritos, assobios e xingamentos".(http://www.youtube.com/watch?v=0g4LG4Tad3s )

Não tenho palavras para expressar o meu repúdio a atos como este! Rasgou-se a Constituição ...EM UMA UNIVERSIDADE! E eu que pensava que nas universidades estava a nata pensante do meu País...Eu que acreditava esperançosa que estes jovens seriam aqueles que iriam contribuir para um futuro mais ético, mais crítico, menos preconceituoso...Eu que me recusava a descrer do homem, que sempre lhe dava nova chance ao olhar para seus filhos... sinto-me abatida...

Será que tudo já está mesmo adulterado, desgastado, corrompido? Estamos em 2009 com valores de séculos atrás!O que me surpreende é o falso moralismo que ainda se faz presente, dita normas de conduta em um ambiente uni- verso!As fogueiras da Idade Média, os apedrejamentos em praça pública assistidos por todos (crianças, jovens, adultos e velhos unidos no dedo em riste) vestem hoje roupagens novas; porém, o manequim é o mesmo!

Evoluimos em nossa tão defendida Democracia? Estamos à altura de nossa Constituição? Temos realmente educado nossos filhos? Acreditamos de verdade nos valores que propaga nossa religião?

Creio que episódios como esse deveriam nos fazer pensar...Como diria um grande jornalista,Bóris Casoy, "isto é uma vergonha!"



quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Doação de sangue - Um convite


Da teoria à prática há por vezes uma enorme distância... Todos nós já tivemos contato, de uma forma ou de outra, com campanhas de solidariedade, de conscientização. Há aqueles que reconhecem o mérito da proposta, mas se limitam à uma concordância teórica, dolente assentimento de braços cruzados, aquiescência sentada em sofás... Mas há alguns que saem a campo, ativistas conscientes da importância de um gesto, de um ideal, de uma necessidade que se impõe: são estes que dão o exemplo, que realmente alavancam mudanças, que possibilitam soluções!

Esta postagem de hoje tem o intuito de colaborar na divulgação da campanha "Doe mais que um clique, doe sangue". Seus idealizadores: Marcelo Vitorino (http://www.inblogs.com.br/ ) e Edney Souza (http://www.interney.net/blogs/) . É com grande orgulho que convido meus amigos para participarem desta nobre iniciativa, seja sob a forma de divulgação em seus respectivos blogues, seja pelo efetivo ato da doação de sangue.


SAIBA SE VOCÊ PODE DOAR SANGUE. DESCUBRA O QUE VOCÊ PRECISA PARA TORNAR-SE UM DOADOR! (Fonte: Banco de sangue paulista)

Não deixe de fazer parte da campanha, mesmo que não possa doar atue como Embaixador, promovendo novas adesões.

Você deve ter mais de 18 e menos de 60 anos;
Seu peso deve ser superior a 50 kg;
Se homem, deve ter doado há mais de 60 dias;
Se mulher deve ter doado há mais de 90 dias; não estar grávida; não estar amamentando; já terem se passado pelo menos 3 meses de parto ou aborto;
Se você não teve Hepatite após os 10 anos de idade;
Se você não teve contato com o inseto barbeiro, transmissor da Doença de Chagas;
Se você não teve malária ou esteve em região de malária nos últimos 6 meses;
Se você não sofre de Epilepsia;
Se você não tem ou teve Sífilis;
Se você não é diabético;
Se você não tem tatuagens recentes (menos de 1 ano);
Se você não recebeu transfusão de sangue ou hemoderivados nos últimos 10 anos;
Se você não ingerir bebidas alcoólicas nas 24hs que antecedem a doação;
Se você estiver alimentado e com intervalo mínimo de 2 horas do almoço;
Se você dormiu pelo menos 6 horas nas 24hs que antecedem a doação;
Se você não se expõe ao risco de contrair o vírus da AIDS, tendo comportamentos como:
* não usar preservativos em relações sexuais
* Ter tido mais de dois parceiros sexuais nos últimos 3 meses
* usar drogas injetáveis

Antes da doação você vai passar por uma entrevista de triagem clínica, na qual podem ser detectadas algumas condições adicionais que possam impedir sua doação. Após cada doação serão realizados os seguintes exames em seu sangue:

Tipagem sangüínea ABO e Rh;
Pesquisa de anticorpos eritrocitários irregulares;
Teste de Coombs Direto;
Fenotipagem do Sistema Rh Hr( D,C,E.c,e) , Fenotipagem de outros sistemas;
Testes sorológicos para: Hepatite B, Hepatite C, Doença de Chagas, Sífilis, HIV (AIDS), HTLV I/II;

Todas as vezes que você doar sangue serão feitos todos esses testes, e você receberá o resultado em cada doação.

Esta é uma campanha de http://www.doemaisqueumclique.com.br/ . Neste link poderá encontrar diversos tamanhos e formatos de banner, caso queira colocar em seu blog e participar da divulgação.

Imagem de http://www.plenamulher.com.br/dicas.asp?ID_DICAS=249

domingo, 25 de outubro de 2009

Deus: Criador ou Criatura?


Este é o quinto texto da série Reflexões sobre Religião. Seria interessante ler o prefácio no texto número um (Ao pé da letra).

Desde os seus primórdios, o homem cria rituais de ligação com o sagrado. Houve várias etapas na idealização de Deus, a bem dizer, vários deuses foram apercebidos até se chegar a uma concepção não antropomorfizada de Deus.

A palavra Religião vem de re-ligare: ligar de novo, no caso, o homem a seu deus. Através da religião, com seus dogmas, seus símbolos e rituais pretende-se uma reaproximação do homem com o seu criador. Não há um consenso nas várias religiões no porquê dessa suposta separação e as explicações variam de acordo com as crenças.

Há várias formas de se conceber Deus, que traçam um sentido, um rumo na vida daqueles que Nele crêem. Para alguns, Deus é uma forma de explicação para a origem do Universo; Aquele que - onisciente e onipresente - julgará a todos e decidirá o destino do homem após a sua morte; é uma força, uma energia ou a própria Natureza; é o Grande Arquiteto do Universo...Para muitos, Deus é pai.

Há aqueles que respiram Deus 24 horas sacralizando o profano e desvalorizando o real e existem aqueles que dividem o tempo entre o trabalho, lazer e oração; aqueles que se intitulam intermediários de Deus e cobram pelo acesso a Ele; aqueles que afastam as pessoas de Deus por sua visão deformada a respeito dEle e aqueles que transformam os descrentes em Seus seguidores...

Existem aqueles que - ecléticos - procuram pedaços de Deus que lhe convêm em cada religião; há o agnóstico; existe aquele que se submete - narcisista - a leis severas e, sádico, a impõe a outrem; há aquele que condena - dedo em riste ; aquele que interpreta o que considerou sagrado; aquele que dogmatiza e não pondera...; aquele que na Ciência descrê de Deus e aquele que descobre Deus através da Ciência...

O universo religioso e o des-sacralizado podem-se harmonizar ou se antagonizar. Por exemplo, uma pessoa religiosa pode ser vista como virtuosa, um exemplo para os demais e, por outros, um chato, um alienado. O problema ocorre quando alguém tenta sobrepor sua verdade às verdades de outrem: cai-se aqui na intolerância religiosa, no fanatismo, no dogmatismo e, paradoxalmente, parece que nessa hora todos vêem que essa pessoa se afastou de seu Deus...


Sigmund Freud fez uma análise interessante sobre religião. Para ele, a criação de Deus segue um protótipo infantil e filogenético. Resumidamente, o homem repete as vivências mentais de sua tenra idade com seus pais e as transfere para Deus: quando crianças tínhamos razão para temê-los (especialmente o pai); todavia, paralelamente, sentíamo-nos seguros, pois nos protegiam contra os perigos que nos ameaçavam. Deus, então, seria uma produção imaginária dos homens. Vista a impossibilidade de que um pai terreno pudesse suprir todas as necessidades de amor e proteção de seu filho, o filho cria para sí um pai ideal. Isto explicaria o porquê de, para alguns, Deus ser um pai extremamente amoroso, enquanto para outros ele é castrador, exigente das regras (a Lei) a todo instante e, acima de tudo, um pai punidor...

Friedrich Nietzsche disse:" O homem em seu orgulho, criou a Deus a sua imagem e semelhança". Não acreditar em Deus implica em admitir para si mesmo desamparo, insignificância no vasto Universo. Como superar a sensação dolorosa de não ser mais o centro da criação? Não ser mais objeto de eterno e vigilante cuidado de uma Providência Divina? Abandonar a religião assemelha-se a abandonar a casa paterna, onde há conforto e segurança...Caminhar com os próprios passos por estradas escuras e desconhecidas, sem a luz da lanterna divina, é paralisante...

Sob outro aspecto, é inegável que a religião atua como um freio moral, mas nem sempre ético...É quando ocorrem mutilações, proibições irracionais, guerras santas em nome de um Deus que mata e que é "fiel" a quem lhe retribui a fidelidade...

Há uma retórica perigosa na religião que faz com que os argumentos se afastem, pela interpretação subjetiva de alguns, dos textos sagrados. Nessa tentativa de convercer-se e convencer a qualquer preço, criam-se verdades inquestionáveis e o perfil de um Deus ditador...

Penso que as verdades religiosas são o reflexo da procura de uma verdade acima do conhecimento comum e limitado de nossa mente. Necessitamos de explicações para o que não conseguimos entender,decifrar. Esbarramos, por vezes, na razão, que não consegue entendê-las e acercâmo-nos da fé - porto seguro que nos ampara. Vejo como um real problema não a crença, a fé em Deus e sim, o esquecer-se de problematizar que o dogma incita. Agindo assim, é suficiente crer, sem saber muito porque se crê ou para que se crê.Esquecido o homem de edificar a si mesmo, qual criança a confiar nos pais, frequenta templos por obrigação, cria rituais fechados e excludentes, cria um Deus preconceituoso com os filhos dos outros...(os que não lhe são "fiéis")

É comum o fato de cientistas, particularmente na área da Física Quântica, ao começarem céticos e agnósticos suas pesquisas, tornarem-se defensores da crença em Deus. Qual o porquê dessa "conversão"? Talvez o simples fato de que fé e razão deixaram de ser vistas como antagônicas: diluindo-se o fideísmo e o racionalismo, a fé brotou distinta da razão.

Disse Kierkegaard: "Há dois meios de ser enganado. Um é acreditar no que não é verdadeiro; o outro é recusar a acreditar no que é verdadeiro". Não vou discutir aqui o conceito de "Verdade".Apenas penso que na procura da verdade, seja ela qual for, respostas nos são dadas, por vezes, quando adentramos caminhos que antes considerávamos impercorríveis. É do confronto com o adverso, do debruçar consciente sobre o incógnito que por vezes surge uma nova verdade...mais consistente, novo paradigma - amplo a ser descoberto...Nessas novas premissas descobre-se a falácia das anteriores, superam-se as antíteses, constroem-se novas sínteses...e "assim caminha a humanidade"...


Antes que me queimem nas modernas fogueiras: creio em Deus! Não sei se este Deus é semelhante ao do leitor, mas não creio que a minha verdade, a minha percepção é a única que deva ser reconhecida como real, "verdadeira"! Não imponho essa minha concepção de Deus aos outros, nem estou certa de que Ele me revelou - e só a mim - a Sua face. Nem concebo que Ele tenha uma face, pois não o antropomorfizo...

Sobre fundamentalismo



Este é o quarto texto da série Reflexões sobre Religião. Seria interessante ler o prefácio no texto número um (Ao pé da letra).

O termo "fundamentalista" surgiu nos Estados Unidos, em 1909, quando os irmãos Lyman e Milton Steward publicaram "The Fundamentals: a testimony of the truth", em doze volumes, cujo conteúdo se centrava na exortação dos protestantes a um retorno da interpretação literal da Bíblia. Este termo é comumente associado à religião; porém,encontrâmo-lo em outras áreas, por exemplo, econômica, científica, política, ideológica...Em todos, a viga mestra é dada pela fiel observação a certos princípios que são tidos como verdades acabadas, que devem ser aceitas por todos - "para seu próprio bem" - e com rigor extremo.

No campo da Ciência, uma atitude fundamentalista rejeita que determinada teoria possa ser refutada: isso leva ao estagnar do progresso científico e ao crédito, por vezes, de paradigmas falsos.

No campo político, são exemplos os grandes ditadores que, ao imporem a idéia de que determinado regime político é o melhor, viam-se quase como os portadores da "Boa Nova" política,não admitindo à História um curso normal, pois que criam estar a concretizar o utópico futuro idealizado pelo povo que os alçou ao poder...



Na Economia, a postura fundamentalista condiciona ao Mercado - e somente a este - a grande e única lei que deve reger o processo produtivo, dando vida ao chamado "capitalismo selvagem"...Já no campo ideológico, divide as pessoas em classes, aponta culpados pela divisão, divide países, como de certa forma aconteceu com a "sacralização" da palavra de Karl Marx...

Fundamentalismo, no campo religioso, é uma concepção através da qual o livro sagrado (Bíblia, Alcorão, por exemplo) deve ser lido, interpretado de uma forma literal e, seguidas à risca suas instruções, pois a Palavra não permite interpretações...Este tipo de fundamentalismo normalmente surge de uma insatisfação com determinado sistema valorativo, de um desamparo político que abre caminho, através de uma teodisséia, para o estabelecimento de padrões de conduta embasados numa volta a sistemas tradicionais.

Aqui podem-se abrir dois caminhos:

1- uma rejeição da modernidade, pois é inconcebível o aerar de novas idéias, visto que as diretrizes a serem seguidas já foram apontadas pelo próprio Deus , constam do livro sagrado e todos os males vieram ou virão do seu descumprimento;

2- não haverá uma negação da modernidade "latu sensu", mas sim a submissão desta aos parâmetros ditados por uma teocracia, ou seja, uma sacralização do moderno.



Apesar de encontrarmos facetas do fundamentalismo em várias religiões, normalmente lembramo-nos - nós ocidentais - do Islamismo . Particularmente depois do ataque às Torres gêmeas , islamismo passou a ser considerado - mesmo que erroneamente - um sinônimo de fundamentalismo...Ao largo do fato de que a imensa maioria de islâmicos pratica sua religião isenta de fanatismo, a mídia lhe concedeu esse estigma embasada no que eu poderia chamar de predisposição fundamentalista:afinal de contas, "o Islão foi desde o início uma religião da espada que glorifica as virtudes militares" e " Maomé é recordado como um valente guerreiro e um comandante militar competente" (ambas as citações de Samuel Huntington, in O choque das civilizações)...

Referí-me atrás à sensação de desamparo que antecede a atitude fundamentalista.No fundamentalismo religioso, a legitimidade da postura nem sempre advém de uma leitura literal do texto sagrado e sim, de uma adesão à releitura deste texto por um líder político.Aqui, carisma e liderança continuam inseparáveis; porém, dão voz a povos que anseiam por valores diferentes que contrabalancem o roto paradigma em que se crêem inseridos pela modernização ditada pelo mundo ocidental.Amparados numa autoridade divina, e portanto incontestável, readquirem, pois, orgulho próprio e com ele...a certeza absoluta de que estão no caminho certo...



É esse o aspecto do fundamentalismo que mais nos assusta! Embora nem todos os fundamentalistas, particularmente os islâmicos, sejam partidários de uma interpretação literal do Alcorão, de uma supressão da modernidade, da violência (como o Taleban, por exemplo), o que é digno de atenção é o aspecto ditatorial com que ele se reveste. Nesta tentativa de "conversão" de tudo o que afronta os pilares de sua fé, a sacralização do mundo é vista como bem imprescindível e a extinção dos "novos hereges" serve a um fim nobilíssimo: o cumprimento da palavra divina! Justificam-se assim os massacres de povos que ousam ter leituras diversas do Divino e os ataques terroristas.Como que cruzados modernos, é necessário invadir, anexar, ampliar territórios em nome de uma interpretação que se acredita única e final...Como os valores são extraídos de dogmas, Amor pode muito bem justificar uma conversão pela força, se necessário...

É interessante notar que, em quase todas as religiões, o Amor e a Vida são alçados à categoria do Sublime. Então, como se justificariam os massacres, guerras santas à luz do fundamentalismo? Aqui ocorrerá uma deturpação útil: o assassinato é tido como uma missão do guerreiro divino na luta contra o "Mal" encarnado e, a própria morte e seu martírio, um agraciar supremo da divindade, uma medalha pelo "bom combate"...

Inegavelmente, uma atitude fundamentalista religiosa afigura-se-me uma defesa paradoxal a verdades que são alçadas a patamares inalcançáveis pelos mortais, apenas conhecidas em sua íntegra (alcance e finalidade) pelo Divino e, por isso mesmo, impossíveis de serem galgadas por simples mortais...Constroem-se muros em torno de virtudes na tentativa de reconstrução do que já se encontra esfacelado, pois subjugado a exo- padrões.Neste jogo de defesas surge na figura do outro o símbolo do "Mal": destruí-lo é preservar-se; é deixar intactas a cultura, as convicções, as tradições, as certezas...Em um mundo em que tudo está em constante mutação, em que progressos tecnológicos não acompanham a evolução da própria mente que os criou, em que leis mudam ao sabor dos acontecimentos ou de quem ocupa o poder, em que líderes tropeçam nas esquinas da História, é mais seguro ancorar-se no porto das verdades inquestionáveis...O problema é que neste porto há um farol: e é a partir dele que se atira para abaterem -se os barcos que carregam a tolerância...



Da intolerância cega ocorre a refratariedade ao diálogo, a intransigência, o fanatismo, a violência, a morte em nome de um Deus...Enquanto os homens se arvorarem em proprietários de uma verdade acontecerão massacres em nome da verdade de alguns; enquanto os homens se digladiarem em torno da posse de um Deus, acontecerão guerras santas...

Intolerância e fanatismo


Este é o terceiro texto da série Reflexões sobre Religião. Seria interessante ler o prefácio no texto número um("Ao pé da letra").

Foram os iluministas, à época das lutas religiosas entre católicos e protestantes, que mobilizaram a opinião pública francesa (com reflexos mundiais) contra a intolerância à qual viam-se submetidos - vítimas do fanatismo -, por seu livre pensar. Sendo assim, historicamente, o termo tolerância é posterior e consequente ao de intolerância.


Se, em outros campos, a intolerância provocou o Holocausto,a escravidão negra, o massacre de povos indígenas, no campo religioso, aliada ao fanatismo provocou a Santa Inquisição , a Noite de São Bartolomeu, as Cruzadas ,a prática de mutilações (extirpação de clitóris, por exemplo), o ataque ao World Trade Center, o surgimento dos kamikases, a coisificação da mulher sob o Taleban, entre outros atos...


A intolerância tem suas raízes na não-aceitação do diferente; espezinha semelhantes sob o olhar agudo que só ressalta e reprova a diferença...O intolerante, ao deparar o diverso, é incapaz de vê-lo como uma outra possibilidade do pensar pois, a sua leitura da realidade não admite um olhar que possa se antagonizar a ela.

Trata-se de um comportamento aprendido: ninguém nasce intolerante, com preconceitos. Adquirímo-los pelo que assimilamos, pelo que nos é transmitido inicialmente em nossa micro-sociedade, isto é, a família.Do modo com que a família lida com as várias facetas da razão alheia, vamos construindo nossos pilares, nossos "dogmas" particulares (dependentes de nossa plasticidade) e, nos inserindo em grupos de pessoas, de pensamentos semelhantes aos nossos. Tais grupos se formam de acordo com nosso ambiente sócio-cultural, nossa idade, e entre outros, nossa religião (ou ausência dela).

Ao fazermos parte de um determinado grupo ou ao intentarmos dele participar, uma condição "sine qua non" é a da semelhança entre os membros.Isso significa que há um critério que o define e que garante a exclusão do membro, no caso de divergência de leituras. É quando entra em cena a discriminação...

A discriminação surge de um estranhamento do outro: se aceito que meu comportamento é o normal, o necessário, o correto, qualifico o comportamento de quem dele se desvia como anômalo; se penso que minha cultura é superior e, por um revés da História, fui subjugado como povo, encho-me de preconceitos e crio piadas depreciativas ( loiras, negros...), por exemplo, para encobrir minha revolta, meu orgulho ferido; se vejo nos escritos religiosos verdades absolutas, dou o primeiro passo em relação ao fanatismo e alisto-me no "exército" a serviço de um Deus que mata...

Creio que a raíz da intolerância religiosa reside no fato de cada religião possuir a certeza de que sua verdade é absoluta, de que o seu Deus é o verdadeiro. A grande contradição é que, na maior parte delas, são princípios basilares o amor, a paz e a tolerância ao próximo...

A questão que coloco não é fazer uma apologia a esta ou àquela religião e sim, repensar sobre porque o diferente incomoda tanto, gerando a intolerância, muitas vezes agressiva e até mesmo assassina quando atrelada ao fanatismo.O que proponho não é uma tolerância no sentido "morno" da palavra, teórica, isto é, condescender, consentir que o outro me ladeie mas, que não adentre o meu grupo.Isso não passa de um preconceito velado (por exemplo, preconceito racial, sexual em países com uma Constituição que criminaliza tais condutas), a encobrir uma real indiferença ao outro, a disfarçar um sentimento de superioridade...

Proponho que paremos de "demonizar" as religiões diferentes da nossa; que haja um respeito mútuo - mesmo que na impossibilidade de confrontação dos dogmas de cada uma - ao Deus que todas proclamam ser justo e bom, criador de tudo e de todos...


O que proponho é que deixemos de inventar novas fogueiras para lançarmos, sob o fogo de argumentos medievais com novas roupagens, aquele cuja crença é diferente da nossa...Não proponho uma tolerância cega, promíscua, que afronta a dignidade e os supra valores (como a Vida, por exemplo), que assenta suas bases na total permissividade : isso aniquilaria qualquer possibilidade de convivência em sociedade.As palavras que definem e resumem minha proposta: respeito (ao diferente) , plasticidade (capacidade de adaptação), conhecimento ("Todo mal advém da ignorância"-Sigmund Freud).

Sobre o dogma


Este é o segundo texto da série Reflexões sobre Religião.Seria interessante ler o prefácio no texto número um ("Ao pé da letra").
A palavra grega "dogma" tem origem nos termos "doxa" (opinião) e "dokein" (o que se pensa ser bom). Comumente associada às religiões,pode ser definida como um pilar de sustentação de uma fé. Em termos religiosos, as doutrinas são deduzidas a partir de uma verdade revelada: negá-la implica na rejeição de um dogma. O dogma, então,é uma declaração de fé que se situa na dimensão do imutável; questioná-lo é arguir o incompreensível aos olhos infantís daquele que não crê...o que, na verdade, é um dogma na defesa de outro.

Um dogma surge de uma necessidade de construção de um edifício doutrinário; no caso das religiões, como uma forma de proteção e conservação da Palavra de Deus dada a alguém.São exemplos: a maternidade divina de Maria e sua assunção aos Céus, a ascensão de Jesus ( lembrando que a palavra assunção tem um caráter de passividade e, ascensão, de atividade), a reencarnação para o Espiritismo, a crença de que Maomé é um enviado de Alah,entre outros.

Embutida na palavra dogma encontra-se o conceito de Verdade absoluta, imutável, estática e, a meu ver, em contradição com o Universo e com Aquele que a "revelou" a alguém.Parece-me uma tentativa de prender o adimensional a uma humana dimensão.No texto número um referí-me aos males que podem advir de uma interpretação ao pé da letra de um texto - no caso, religioso. Nesse engessar de palavras, um dogma passa ao largo de qualquer interpretação literal, visto que nem mesmo pode ser interpretado, por ser uma questão de fé.Isso impede que possa ser visto como uma analogia, um simbolismo e dá margem a crenças infantís como Adão e Eva, ao choque entre práticas religiosas e científicas (por exemplo, proibição do uso de preservativos, de transfusões sanguíneas), à não-inserção na realidade contemporânea, à marginalização e formação de uma bipartição da mente que - dinâmica - não se permite presa mas, atrelada ao estático se vê na obrigação de se curvar...


Comparativamente, encontramos dogmas não só em religiões. É quando validam ideologias, quando assumem um caráter político,econômico ou científico. No campo político houve uma célebre frase que dizia: O rei nunca erra... Uma posição dogmática em Ciência, por exemplo, leva à construção de paradigmas onde não há espaço para a contestação: endeusa-se uma teoria (a "Palavra" do cientista) e abandona-se a tentativa de refutá-la (lembremo-nos que Isaac Newton ousou contestar o pensamento de sua época, dando origem ao paradigma newtoniano e, por sua vez, Einstein ousou contestar Newton, originando a Teoria da Relatividade...).Já dizia Descartes (in Discurso do Método, 1637): "O conhecimento e a ciência exigem trabalho, questionamentos sistemáticos e método.O dogmatismo é o pior companheiro da Filosofia"...

Em minha visão, dogmas são limites que, apesar de construírem e darem sustentação à uma teoria, crença, ideal - como quisermos chamar-lhes- geram contradições. No caso específico das religiões, quando ocorre a não-consciência dos seus significados simbólicos, gera-se o risco de se servir a um hábito ou tradição. Nasce um grupo de seguidores que se contentam com sequências mecânicas de atos num superficial ritualismo.Nascem repetições das quais não se entende, por vezes,sequer o que é dito,seja em missas, cultos ou outro nome que tenham as cerimonias religiosas.

Penso que arguir um dogma não deve ser considerado - hoje - uma heresia digna das modernas fogueiras que a intolerância pode construir...A adequação da "Palavra" ao contemporâneo deve servir não para destruí-la e sim, para extrair or princípios morais e culturais que ajudem a guiar o tempo presente. Quem quer estar a serviço de Deus, seja Ele que nome tenha, mais faria se não O visse como um princípio e fim estáticos, aqui inclusa a Sua Palavra...Quem quer estar a serviço de Sua Criação (leia-se homens, Ciência, Governo etc.) melhor faria se se apaixonasse pelos sentidos da Palavra retirando-lhe a conotação de verdade absoluta, para enfatizar o lado dinâmico do "re ligare" (sentido original da palavra Religião: ligar de novo, no caso, o homem ao seu Deus)...

Ao pé da letra


Dou início com essa postagem a uma série de reflexões sobre Religião. Pretendo discutir temas como Dogma, Intolerância religiosa, Fundamentalismo, Fanatismo. Antes que seguidores das várias religiões me crucifiquem, antecipo que não pretendo gerar mal-estares, nem carregar uma bandeira de determinada religião ; e sim, analisar, de forma limitada e subjetiva, algumas questões que ultrapassam o campo religioso. Antevejo bem o caminho cheio de minas que vou percorrer; porém, minha proposta neste espaço é me forçar a pensar sobre determinado tema; à semelhança de um exercício mental, aqui venho para - antes de tudo - expor meu pensamento. Nesse dar-se a conhecer tenho recebido pérolas: meus amigos virtuais! Para eles - e aos que ainda virão - acima de tudo meu respeito: às suas posições divergentes ou convergentes, ao seu silêncio...

A seguir, um excerto que encontrei e inspirou-me a postagem de hoje:

E-mail enviado por um estudante de teologia de Boston para Laura Schlessinger, uma personalidade do rádio americano que distribui conselhos para pessoas que ligam para seu show.

Recentemente ela disse que a homossexualidade é uma abominação de acordo com Levíticos 18:22 e não pode ser perdoada em qualquer circunstância.

O texto abaixo é uma carta aberta para Dra. Laura, escrita por um cidadão americano e também disponibilizada na Internet:

"Cara Dra. Laura

Obrigado por ter feito tanto para educar as pessoas no que diz respeito à Lei de Deus. Eu tenho aprendido muito com seu show, e tento compartilhar o conhecimento com tantas pessoas quantas posso.

Quando alguém tenta defender o homossexualismo, por exemplo, eu simplesmente o lembro que Levítico 18:22 claramente afirma que isso é uma abominação. Fim do debate.

Mas eu preciso de sua ajuda, entretanto, no que diz respeito a algumas leis específicas e como seguí-las:

a) Quando eu queimo um touro no altar como sacrifício, eu sei que isso cria um odor agradável para o Senhor (Levítico 1:9). O problema são os meus vizinhos. Eles reclamam que o odor não é agradável para eles. Devo matá-los por heresia?

b) Eu gostaria de vender minha filha como escrava, como é permitido em Êxodo 21:7. Na época atual, qual você acha que seria um preço justo por ela?

c) Eu sei que não é permitido ter contato com uma mulher enquanto ela está em seu período de impureza menstrual (Levítico 15:19-24). O problema é: como eu digo isso a ela ? Eu tenho tentado, mas a maioria das mulheres toma isso como ofensa.

d) Levíticos 25:44 afirma que eu posso possuir escravos, tanto homens quanto mulheres, se eles forem comprados de nações vizinhas. Um amigo meu diz que isso se aplica a mexicanos, mas não a canadenses. Você pode esclarecer isso?

Por que eu não posso possuir canadenses?

e) Eu tenho um vizinho que insiste em trabalhar aos sábados. Êxodo 35:2 claramente afirma que ele deve ser morto. Eu sou moralmente obrigado a matá-lo eu mesmo?

f) Um amigo meu acha que mesmo que comer moluscos seja uma abominação (Levítico 11:10), é uma abominação menor que a homossexualidade.Eu não concordo. Você pode esclarecer esse ponto?

g) Levíticos 21:20 afirma que eu não posso me aproximar do altar de Deus se eu tiver algum defeito na visão. Eu admito que uso óculos para ler. A minha visão tem mesmo que ser 100%, ou pode-se dar um jeitinho?

h) A maioria dos meus amigos homens apara a barba, inclusive o cabelo das têmporas, mesmo que isso seja expressamente proibido em Levíticos 19:27. Como eles devem morrer?

i) Eu sei que tocar a pele de um porco morto me faz impuro (Levítico 11:6-8), mas eu posso jogar futebol americano se usar luvas? (as bolas de futebol americano são feitas com pele de porco)

j) Meu tio tem uma fazenda. Ele viola Levítico 19:19 plantando dois tipos diferentes de vegetais no mesmo campo. Sua esposa também viola Levítico 19:19, porque usa roupas feitas de dois tipos diferentes de tecido (algodão e poliester). Ele também tende a xingar e blasfemar muito. É realmente necessário que eu chame toda a cidade para apedrejá-los (Levítico 24:10-16)?

Nós não poderíamos simplesmente queimá-los em uma cerimônia privada, como deve ser feito com as pessoas que mantêm relações sexuais com seus sogros (Levítico 20:14)?

Eu sei que você estudou essas coisas a fundo, então estou confiante que possa ajudar.

Obrigado novamente por nos lembrar que a palavra de Deus é eterna e imutável.

Seu discípulo e fã ardoroso".


Devido ao grande valor que é atribuído à Bíblia por judeus e cristãos, surgiu um natural desejo de aprofundamento dos estudos sobre esta obra e, consequentemente, do sentido de sua mensagem. Esse foi o ponto de partida e o fundamento de uma ciência chamada Hermenêutica, que consiste no estudo dos princípios gerais de interpretação bíblica, em cujos métodos inclui-se a exegese (interpretação crítica dos textos). Da interpretação de textos religiosos ampliou-se o seu foco para além da Religião, vindo também a História, o Direito e a Filosofia a serem campos de seu interesse.
Como a Bíblia é aceita como "a palavra de Deus", não há um princípio hermenêutico único, podendo ser destacados, por exemplo, quatro tipos de interpretação: literal, moral, alegórica e anagógica. Desses , ater-me-ei à interpretação literal.

E, o que é uma interpretação literal? É aquela que é feita isenta de uma contextualização. Especificamente em relação à Bíblia, este tipo de interpretação está intimamente associada à convicção de que a mensagem divina ( frases ou palavras isoladas) não permite leituras.Aqui não se leva em consideração, por exemplo, as diversidades de estilos encontradas nos vários momentos históricos da compilação dos textos bíblicos.

Em Direito, há na Hermenêutica Jurídica, entre vários princípios que se complementam, um que enuncia que um texto legal, quando redigido de forma clara, objetiva, não necessita ser interpretado, não havendo, pois, a necessidade de se buscar o sentido (finalidade) e o alcance da norma (seu campo de incidência): é o Princípio "In claris cessat interpretatio". Este, usado de uma forma isolada dá margem a injustiças, à cristalização e à petrificação da norma jurídica ("dura lex, sed lex"..., "summa jus, summa jura"...). No campo da interpretação bíblica, levará à intolerância religiosa, ao fundamentalismo e a graves distorções do significado do texto religioso.

Interpretar um texto - religioso ou não - é inferir, isto é, é um olhar sobre o implícito e o explícito. É um processo dependente de aspectos linguísticos, extralinguísticos e cognitivos. Após uma decodificação inicial terá lugar uma formulação das representações mentais sobre a mensagem em sí. Analisar-se-ão os argumentos.

O que são argumentos? Esclareço com um exemplo: se digo, por exemplo, que na União Européia a moeda é o Euro, temos aqui uma informação. Porém, se a essa informação acrescento quais os efeitos, os motivos da criação dessa moeda, faço nascer um argumento. Um argumento, pois, é aquilo que explica, faz a defesa de uma idéia,justifica uma proposição.; sem ele temos fragmentos de informação carentes de um sentido e de retórica.
Num texto religioso, como nos demais, há uma sucessão de argumentos e suas consequentes imbricações no real interno (de cada pessoa) e também no real externo, aqui representado pelo conjunto de pessoas (seitas, grandes troncos religiosos como o Cristianismo, o Islamismo, por exemplo). O que ocorre numa interpretação literal, a meu ver,é uma dessalinização dos argumentos.Ao retirá-los do mar contextual em que se encontram, perdem o sabor que os caracterizou à época em que foram escritos...

Sabe-se que a comunicação é uma via de mão dupla: a relação transmissor/receptor de uma mensagem é permeada por subjetividades,é dependente de uma reflexa compreensão para que não ocorram "ruídos" (falhas de comunicação) . Pois bem, ocorrem ruídos quando retiramos um argumento de seu contexto.. Sabemos que no tempo das Escrituras havia uma tradição oral; ao se passar da oralidade para a escrita insere-se todo um contexto pré-literário , vivencial que deu origem à uma necessidade de um texto escrito...Esquecemo-nos que houve uma intenção, uma utilização da oralidade para fins - entre outros - retóricos.

Fazendo uma analogia, do estudo da Literatura tem-se que os períodos literários (por exemplo, Classicismo, Romantismo, Realismo...) são uma adequação aos reclamos de uma época,retratam insatisfações, refletem determinado momento histórico . Há gêneros literários.Ora, com a Bíblia isso não é diferente: nela notamos diferentes gêneros literários, os quais nos indicam diferentes contextos sociais, diferentes situações, diferentes momentos, diferentes necessidades, diferentes finalidades, diferentes públicos-alvo...diferentes compiladores...
Creio que o maior furto ( ou porque não? roubo) que se pode fazer em termos de interpretação de um texto - seja ele qual for - é retirá-lo de seu momento histórico...Os abusos de interpretação ou o dissecar de palavras e textos ao pé da letra podem conduzir a situações lamentáveis como a conduta da apresentadora do programa de rádio exposta acima e a consequente resposta irônico-crítica do ouvinte...Levam à impressão de que - como disseram criticamente certos estudiosos -" a Bíblia é um livro onde cada qual procura o que deseja e sempre encontra o que procura..".

Punição por não falar Amém: MORTE!


Hoje sinto-me na obrigação - até mesmo moral - de tecer alguns comentários depois da divulgação de duas notícias que repercutiram bastante na mídia nacional e internacional. A primeira refere-se ao caso da menina de 9 anos (em Alagoinha/ estado de Pernambuco, Brasil; vide http://www.portalcostanorte.com/editorias/Geral/75146.html), estuprada e engravidada pelo padrasto, que teve a gravidez gemelar (de alto risco) interrompida. Esse procedimento rendeu uma excomunhão à sua mãe e a toda a equipe médica que fez a intervenção. A segunda notícia relatou que uma mãe em Baltimore (estado de Maryland, EUA; vide http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2009/04/090401_mortebebe_fp.shtml) interrompeu a alimentação de seu filho de 1 ano e 4 meses porque ele deixou de falar Amém antes das refeições, levando-o à morte por inanição por orientação de sua própria igreja...

Particularmente, minha reflexão de hoje é sobre a fé. Antecipadamente aviso ao leitor que não pretendo fazer uma apologia a esta ou àquela religião e sim, lançar um olhar - o meu olhar - sobre este assunto.

À época em que escreví esta reflexão, o mundo cristão vivia a última semana da Quaresma, um período muito propício à reflexão. Pelo que sei, todas as religiões possuem um período similar, de reflexão, entre suas particularidades, da fé. E o que é a "fé" (do grego, pistia; em latim, fides)? "A fé é a expectativa certa de coisas esperadas, a demonstração evidente de realidades, embora não observadas" (Hebreus, 11.1) . Se, por um lado, ela é a certeza de "salvação", de outro, a fé em Deus não é um privilégio desta ou daquela religião (Jesus disse que filho de Deus é todo aquele que em Deus tem fé, seja judeu ou gentio...). Assim como há diferentes concepções de Deus, há variantes de fé. Uma delas: a fé cega.

A fé cega é ignorante de sua própria "razão" intrínseca. A razão de quem a possui converte-se num discurso de manipulação e aniquilamento. É uma fé que retira do homem a liberdade e a dignidade. E o que é o homem sem a sua liberdade e dignidade? Penso que, por certo, não mais a "semelhança" de seu Criador... Qual o sentido num re-ligare de um farrapo humano a um antropomórfico/tirano deus? Qual o propósito em transformar seres humanos em fantoches manipulados por um destino/ ausência de livre-arbítrio? Onde a certeza de que esta ou aquela religião contém a "Verdade"? E de onde o direito de exclusão dos "infiéis" (os que não professam a mesma fé)? "NENHUM REINO QUE SE DIVIDE CONTRA SI MESMO PODE SUBSISTIR (Mt. 12:25), eis a resposta que Jesus deu aos seus injuriadores...A palavra "fé" precisa, por vezes, passar pelo crivo da racionalidade. Isto significa que, precisa sim, ser responsável, consciente da época, das consequências dos atos em seu nome.

A título de ilustração apenas, relembro a época da Quaresma. Há uma campanha muito interessante neste período: a Campanha da Fraternidade. O tema de cada ano é um recorte de algum aspecto da realidade sócio-econômico-política que precisa ser trabalhado, dando-se ênfase na fraternidade como peça-chave na solução dos problemas que se apresentam numa determinada comunidade. Repito, sem querer fazer uma apologia a qualquer religião (sempre deixo isso bem claro!), penso que isso é fé viva e consciente; fé que renova a consciência de que a responsabilidade de se alcançar uma sociedade justa e igualitária é de todos - não de dirigentes políticos, não dos deuses, não de sacerdotes e pastores...ou qualquer outro nome que tenham os líderes religiosos! Trata-se de uma responsabilidade minha e sua! De uma responsabilidade de todos!


Esta fé que enxerga é o avesso da cega fé. Daquela que permite matar em nome de Deus, que mutila (por exemplo, pela circuncisão, pela clitoridectomia, pelas penas de Talião), que enriquece os bolsos daqueles que afirmam estar em suas bocas as palavras de Deus, daqueles que exigem a fidelidade monetária às custas da penúria familiar de seus pobres rebanhos... Esta fé vendada é aquela que permite a excomunhão das vítimas, que estilhaça corpos de homens-bomba, que faz uma mãe matar seu próprio filho por ele não balbuciar Amém...

Estou velha. Sinto-me velha. Em minha idade, permito-me (e já me permitem) falar o que penso. Penso no re-ligare, a origem da palavra religião... É preciso religar o homem a si mesmo: é preciso um resgate de dignidade; são urgentes a ponderação e o questionamento, o respeito à Vida em todas as suas manifestações. Em minha concepção de Deus, minha fé me diz que sou seu templo vivo: no altar de minha mente está minha consciência; minhas preces são o resultado do grau de solidariedade e respeito que mantenho com Sua criação e, o grande "sacrifício" que faço todo dia é meu burilar interno...

O Amor parece ser uma Lei fundamental nas religiões. A fé, nesse sentido, deveria nos aproximar da fraternidade, da transformação consciente do mundo - transformação essa que começa dentro de si... Vejo uma conexão entre "Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo" e "Conhece-te a ti mesmo". Quando somos capazes de reconhecer no outro nossas angústias, nossas fraquezas, abrimos espaço para o diálogo, para a compreensão por afinidade. E a fé em Deus contribuirá para que haja uma participação consciente no equilíbrio da Criação.

Esta fé é aquela que devolve ao homem sua dignidade, que não permite que se extingam espécies, que não tolera o amordaçar da liberdade, do livre-arbítrio, do livre-pensar. Esta fé é viva e gera harmonia e não guerras e mortes.; anda de braços dados com o conhecimento racional, com a Ciência; religa...muitas vezes sem a intervenção de nenhuma igreja... Esta fé é aquela que não permite a discriminação, que não deixa os homens e seus governos se corromperem... Esta fé prescinde de fórmulas prontas para rezar e mesmo de lugares e posições determinadas para tal; ela não se alimenta de jejuns ou de datas especiais... Esta fé religa pelo Amor, por atos e exemplos, pela retidão de caráter... ela ampara, ouve, dialoga; não é uma fé que mutila, que exclui, que roga pragas... Esta fé religa os povos na fidelidade do preceito máximo do Amor e não faz seres humanos agirem como assassinos de infiéis... trata de curar e não adoecer as mentes sãs, ao lhes inculcar preceitos vãos, descabidos de propósito na inocente tabula rasa das crianças... "Bem aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus" (Mateus 5:29)

Pensemos nas  Quaresmas - uma época em que o re-ligare visa ao crescimento espiritual através da prática dos princípios essenciais da fé - no sentido de nossa fé, mas não só nelas, em todas as épocas. Arguamos nossa fé e seu propósito. Não há heresia no questionar; saibamos usar essa centelha divina a que chamamos inteligência humana...

"Eu não creio no Deus que os homens fizeram, mas creio no Deus que fez os homens" (François Marie Arouet: Voltaire, filósofo francês)

"A ciência sem a religião é paralítica, e a religião sem a ciência é cega" (Albert Einstein)

"Não creiais em coisa alguma pelo fato de vos mostrarem o testemunho escrito de algum sábio. Não creiais em coisa alguma com base na autoridade de mestres e sacerdotes. Aquilo, porém, que se enquadrar na vossa razão e, depois de minucioso estudo, for confirmado pela vossa experiência, conduzindo ao vosso próprio bem e ao de todas as outras coisas vivas: A isso aceitai como Verdade. Por isso, pautai a vossa conduta". (Gautama Buda, 500 a.C.)

O escândalo do bispo


Veio à tona, em forma de escândalo, o abominável, execrável episódio da exploração do homem pelo homem em nome da fé...Os jornais noticiam que o bispo Edir Macedo foi denunciado por enriquecimento ilícito, entre outros delitos (desvio de dinheiro , lavagem de dinheiro, formação de quadrilha)...o dinheiro provém das doações de fiéis em nome de Jesus! Meu Deus! Quanto fazem em Seu nome... Quanta exploração da fé dos humildes, dos desesperados, dos de boa-fé.

A alguns anos atrás fui a uma destas igrejas movida pela curiosidade; éramos - de certa forma - vizinhos e lá fui para "entender" o que acontecia, visto que meu sossego se tornou impossível, pois os alto-falantes usados nos cultos (três por dia) eram usados no volume máximo. Pois bem, lá chegando, após um certo tempo, sentí o constrangimento de quem não tinha o que doar, pois não carregara dinheiro comigo...Mas, meu constrangimento virou estupefação quando reparei que o valor da oferta inicial era bastante alto! Algo em torno de vários salários mínimos para um povo que custava a ganhar honestamente um mísero salário! Sentí-me muito mal quando me dei conta de que o discurso prometia todas as bênçãos divinas ao doador...e, como todo bom comerciante, disposto a não perder um negócio, a quantia pedida ia baixando na proporção em que aumentava a culpa dos fiéis naquele clima catártico...
Lembrei-me naquela hora do episódio bíblico de Jesus quando encontrou os vendilhões no templo...Saí de lá com um misto de asco e dó... asco daqueles que manipulam (até mesmo usando técnicas da Psicologia) a Palavra e dó daqueles que acreditam que são precisos intermediários entre Deus e os homens...

Já foi dito que para conhecermos o caráter de um homem basta lhe darmos poder. Como contestar um poder que "foi dado por um deus"? Como duvidar que o que o pastor pede não é a vontade de Deus? E assim se forja a mais vil das enganações, a maior das mentiras, o maior dos golpes posto que de "ordem divina"...

Entristeço-me por todos aqueles que exploram a boa-fé, todos os que fazem uso de seus conhecimentos para gerar males que anteviam, todos os que se utilizam do poder para engendrar discórdias, todos os que fazem uso da palavra religião para separar pessoas...Pai, perdoai-lhes, porque SABEM o que fazem...

SEMPRE ME PERGUNTEI PORQUE AS PESSOAS PRECISAM DE UM DEUS HUMANO...UM DEUS ANTROPOMORFIZADO...Um Deus que é "fiel" se sou fiel no pagamento de dízimos...um Deus que me faz passar por atrocidades se não lhe dou provas materiais de minha fidelidade...um Deus que destrói meus inimigos...um Deus que tem os mesmos defeitos que os homens: ciúme, rancor, ira...um Deus de punhos fechados e ameaçadores, um Deus intolerante que castiga...

Não consigo entender um discurso religioso...se o interpretar literalmente...Porque o interpretam literalmente até hoje? Ou o corroem numa exegese distorcida? Aí está a raiz de todos os males,toda a discriminação, toda a discórdia, a motivação das "guerras santas", toda a intolerância, aí está o germe de todo o Mal...travestido de Bem!

Penso que até demorou para que este lamentável episódio da Igreja Universal do Reino de Deus viesse à tona...foi preciso que alguns "fiéis" buscassem um Deus para além das promessas do pastor...Ou, talvez, pelo pior caminho : descobrissem que o Deus do pastor falhou: não cumpriu com sua parte na promessa de fidelidade... Quantas vezes ví o desespero estampado no rosto de pessoas que venderam seus bens - como carros, jóias e até mesmo casas - ou que contraíram empréstimos para comprar benefícios divinos e, não conseguiram o que esperavam... Apenas os templos vão se tornando imponentes, luxuosos, inúmeros...apenas os pastores conseguem a bênção de um carro novo anual ou uma mansão luxuosa...

E agora, pastor? Onde o discurso que era refrigério e garantia - mesmo às custas de sacrifício? SACRIFÍCIO...Quanto peso carrega esta palavra! Bem maior que o peso das notas -em dólares...Será mesmo que em pleno século XXI as pessoas ainda acreditam que a relação com Deus seja baseada na troca??? Que há um Deus ciumento, inseguro de seu poder, sempre em eterna luta com Sua criação (o Diabo!), sempre a disputar como os deuses antigos o amor dos homens???

Entristeço-me pelo amor puro dos homens puros de coração que entregaram seu desespero nas mãos de homens impuros por convicção...Entristeço-me por aqueles para os quais - como disse a canção: bastaria o olhar, pois não aprenderam a rezar...São puros e não se dão conta de que seu Criador não precisa de intermediários...nem de oferendas e se quedam, respeitosos, às falas de quem deturpa o que chama de santa Palavra...

O que a sociedade espera agora é que se faça uso de um outro tipo de justiça: não a "divina" e sim, a humana representada por nosso Poder Judiciário! Sim, pois não se trata mais de "pecado"...para além disso, trata-se de crime! Quanto àquela, por certo se fará quando, segundo as Escrituras, chegar o momento da prestação de contas...

Assista o video e tire suas próprias conclusões!


Maiores informações sobre o escândalo envolvendo Edir Macedo podem ser obtidas no seguinte endereço:

http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL1262537-5598,00-EDIR+MACEDO+E+MAIS+VIRAM+REUS+ACUSADOS+DE+DESVIAR+DINHEIRO+DE+FIEIS.html

O sonho dos ratos




Era uma vez um bando de ratos que vivia no buraco do assoalho de uma casa velha. Havia ratos de todos os tipos: grandes e pequenos, pretos e brancos, velhos e jovens, fortes e fracos, da roça e da cidade.

Mas ninguém ligava para as diferenças, porque todos estavam irmanados em torno de um sonho comum: um queijo enorme, amarelo, cheiroso, bem pertinho dos seus narizes. Comer o queijo seria a suprema felicidade...Bem pertinho é modo de dizer.

Na verdade, o queijo estava imensamente longe, porque entre ele e os ratos estava um gato...O gato era malvado, tinha dentes afiados e não dormia nunca. Por vezes fingia dormir. Mas bastava que um ratinho mais corajoso se aventurasse para fora do buraco para que o gato desse um pulo e, era uma vez um ratinho...Os ratos odiavam o gato.

Quanto mais o odiavam mais irmãos se sentiam. O ódio a um inimigo comum os tornava cúmplices de um mesmo desejo: queriam que o gato morresse ou sonhavam com um cachorro...

Como nada pudessem fazer, reuniram-se para conversar. Faziam discursos, denunciavam o comportamento do gato (não se sabe bem para quem), e chegaram mesmo a escrever livros com a crítica filosófica dos gatos. Diziam que um dia chegaria em que os gatos seriam abolidos e todos seriam iguais. "Quando se estabelecer a ditadura dos ratos", diziam os camundongos,"então todos serão felizes"...

- O queijo é grande o bastante para todos, dizia um.

- Socializaremos o queijo, dizia outro.

Todos batiam palmas e cantavam as mesmas canções.

Era comovente ver tanta fraternidade. Como seria bonito quando o gato morresse! Sonhavam. Nos seus sonhos comiam o queijo. E quanto mais o comiam, mais ele crescia. Porque esta é uma das propriedades dos queijos sonhados: não diminuem, crescem sempre. E marchavam juntos, rabos entrelaçados, gritando: "o queijo, já!"...

Sem que ninguém pudesse explicar como, o fato é que, ao acordarem, numa bela manhã, o gato tinha sumido. O queijo continuava lá, mais belo do que nunca. Bastaria dar uns poucos passos para fora do buraco. Olharam cuidadosamente ao redor. Aquilo poderia ser um truque do gato. Mas não era.

O gato havia desaparecido mesmo. Chegara o dia glorioso, e dos ratos surgiu um brado retumbante de alegria. Todos se lançaram ao queijo, irmanados numa fome comum. E foi então que a transformação aconteceu.

Bastou a primeira mordida. Compreenderam, repentinamente, que os queijos de verdade são diferentes dos queijos sonhados. Quando comidos, em vez de crescer, diminuem.

Assim, quanto maior o número dos ratos a comer o queijo, menor o naco para cada um. Os ratos começaram a olhar uns para os outros como se fossem inimigos. Olharam, cada um para a boca dos outros, para ver quanto queijo haviam comido. E os olhares se enfureceram.

Arreganharam os dentes. Esqueceram-se do gato. Eram seus próprios inimigos. A briga começou. Os mais fortes expulsaram os mais fracos a dentadas. E, ato contínuo, começaram a brigar entre sí.

Alguns ameaçaram a chamar o gato, alegando que só assim se restabeleceria a ordem. O projeto de socialização do queijo foi aprovado nos seguintes termos:

"Qualquer pedaço de queijo poderá ser tomado dos seus proprietários para ser dado aos ratos magros, desde que este pedaço tenha sido abandonado pelo dono".

Mas como rato algum jamais abandonou um queijo, os ratos magros foram condenados a ficar esperando. Os ratinhos magros, de dentro do buraco escuro, não podiam compreender o que havia acontecido.

O mais inexplicável era a transformação que se operara no focinho dos ratos fortes, agora donos do queijo. Tinham todo o jeito do gato, o olhar malvado, os dentes à mostra.

Os ratos magros nem mais conseguiam perceber a diferença entre o gato de antes e os ratos de agora. E compreenderam, então, que não havia diferença alguma. Pois todo rato que fica dono do queijo vira gato.Não é por acidente que os nomes são tão parecidos.

"Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência"!


(Rubem Alves - escrito em dezembro de 2004)

Campanhas que eu aprovo

Gentileza Gera GentilezaDoe mais que um clique
Procure uma entidade beneficente:
Diga não ao bloqueio de blogs