O termo "fundamentalista" surgiu nos Estados Unidos, em 1909, quando os irmãos Lyman e Milton Steward publicaram "The Fundamentals: a testimony of the truth", em doze volumes, cujo conteúdo se centrava na exortação dos protestantes a um retorno da interpretação literal da Bíblia. Este termo é comumente associado à religião; porém,encontrâmo-lo em outras áreas, por exemplo, econômica, científica, política, ideológica...Em todos, a viga mestra é dada pela fiel observação a certos princípios que são tidos como verdades acabadas, que devem ser aceitas por todos - "para seu próprio bem" - e com rigor extremo.
No campo da Ciência, uma atitude fundamentalista rejeita que determinada teoria possa ser refutada: isso leva ao estagnar do progresso científico e ao crédito, por vezes, de paradigmas falsos.
No campo político, são exemplos os grandes ditadores que, ao imporem a idéia de que determinado regime político é o melhor, viam-se quase como os portadores da "Boa Nova" política,não admitindo à História um curso normal, pois que criam estar a concretizar o utópico futuro idealizado pelo povo que os alçou ao poder...
Na Economia, a postura fundamentalista condiciona ao Mercado - e somente a este - a grande e única lei que deve reger o processo produtivo, dando vida ao chamado "capitalismo selvagem"...Já no campo ideológico, divide as pessoas em classes, aponta culpados pela divisão, divide países, como de certa forma aconteceu com a "sacralização" da palavra de Karl Marx...
Fundamentalismo, no campo religioso, é uma concepção através da qual o livro sagrado (Bíblia, Alcorão, por exemplo) deve ser lido, interpretado de uma forma literal e, seguidas à risca suas instruções, pois a Palavra não permite interpretações...Este tipo de fundamentalismo normalmente surge de uma insatisfação com determinado sistema valorativo, de um desamparo político que abre caminho, através de uma teodisséia, para o estabelecimento de padrões de conduta embasados numa volta a sistemas tradicionais.
Aqui podem-se abrir dois caminhos:
1- uma rejeição da modernidade, pois é inconcebível o aerar de novas idéias, visto que as diretrizes a serem seguidas já foram apontadas pelo próprio Deus , constam do livro sagrado e todos os males vieram ou virão do seu descumprimento;
2- não haverá uma negação da modernidade "latu sensu", mas sim a submissão desta aos parâmetros ditados por uma teocracia, ou seja, uma sacralização do moderno.
Referí-me atrás à sensação de desamparo que antecede a atitude fundamentalista.No fundamentalismo religioso, a legitimidade da postura nem sempre advém de uma leitura literal do texto sagrado e sim, de uma adesão à releitura deste texto por um líder político.Aqui, carisma e liderança continuam inseparáveis; porém, dão voz a povos que anseiam por valores diferentes que contrabalancem o roto paradigma em que se crêem inseridos pela modernização ditada pelo mundo ocidental.Amparados numa autoridade divina, e portanto incontestável, readquirem, pois, orgulho próprio e com ele...a certeza absoluta de que estão no caminho certo...
É interessante notar que, em quase todas as religiões, o Amor e a Vida são alçados à categoria do Sublime. Então, como se justificariam os massacres, guerras santas à luz do fundamentalismo? Aqui ocorrerá uma deturpação útil: o assassinato é tido como uma missão do guerreiro divino na luta contra o "Mal" encarnado e, a própria morte e seu martírio, um agraciar supremo da divindade, uma medalha pelo "bom combate"...
Inegavelmente, uma atitude fundamentalista religiosa afigura-se-me uma defesa paradoxal a verdades que são alçadas a patamares inalcançáveis pelos mortais, apenas conhecidas em sua íntegra (alcance e finalidade) pelo Divino e, por isso mesmo, impossíveis de serem galgadas por simples mortais...Constroem-se muros em torno de virtudes na tentativa de reconstrução do que já se encontra esfacelado, pois subjugado a exo- padrões.Neste jogo de defesas surge na figura do outro o símbolo do "Mal": destruí-lo é preservar-se; é deixar intactas a cultura, as convicções, as tradições, as certezas...Em um mundo em que tudo está em constante mutação, em que progressos tecnológicos não acompanham a evolução da própria mente que os criou, em que leis mudam ao sabor dos acontecimentos ou de quem ocupa o poder, em que líderes tropeçam nas esquinas da História, é mais seguro ancorar-se no porto das verdades inquestionáveis...O problema é que neste porto há um farol: e é a partir dele que se atira para abaterem -se os barcos que carregam a tolerância...
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