sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

A carta do Zé da Roça para o Luís da cidade...



A PURA E DURA FATALIDADE QUE OCORRE COM O VERDADEIRO PEQUENO PRODUTOR RURAL... VALE A PENA LER!!!

"Luis, quanto tempo!

Eu sou o Zé, teu colega de ginásio noturno, que chegava atrasado, porque o transporte escolar do sítio sempre atrasava, lembra né? O Zé do sapato sujo? Tinha professor e colega que nunca entenderam que eu tinha de andar a pé mais de meia légua para pegar o caminhão, por isso o sapato sujava.
Se não lembrou ainda eu te ajudo. Lembra do Zé Cochilo... hehehe, era eu. Quando eu descia do caminhão de volta pra casa, já era onze e meia da noite, e com a caminhada até em casa, quando eu ia dormir já era mais de meia-noite.
De madrugada pai precisava de ajuda pra tirar leite das vacas. Por isso eu só vivia com sono. Do Zé Cochilo você lembra, né Luis?

Pois é. Estou pensando em mudar para viver aí na cidade que nem vocês. Não que seja ruim o sítio, aqui é bom. Muito mato, passarinho, ar puro... Só que acho que estou estragando muito a tua vida e a de teus amigos ai da cidade.

Tô vendo todo mundo falar que nós da agricultura familiar estamos destruindo o meio ambiente.

Veja só. O sítio de pai, que agora é meu (não te contei, ele morreu e tive que parar de estudar), fica só a uma hora de distância da cidade. Todos os matutos daqui já têm luz em casa, mas eu continuo sem ter porque não se pode fincar os postes por dentro de uma tal de APPA que criaram aqui na vizinhança.

Minha água é de um poço que meu avô cavou há muitos anos, uma maravilha, mas um homem do governo veio aqui e falou que tenho que fazer uma outorga da água e pagar uma taxa de uso, porque a água vai se acabar. Se ele falou deve ser verdade, né Luis?

Pra ajudar com as vacas de leite (o pai se foi, né ...) contratei Juca, filho de um vizinho muito pobre aqui do lado. Carteira assinada, salário mínimo, tudo direitinho como o contador mandou. Ele morava aqui com nós num quarto dos fundos de casa. Comia com a gente, que nem da família. Mas vieram umas pessoas aqui, do sindicato e da Delegacia do Trabalho, elas falaram que se o Juca fosse tirar leite das vacas às 5 horas tinha que receber hora extra noturna, e que não podia trabalhar nem sábado nem domingo, mas as vacas daqui não sabem os dias da semana, aí não param de fazer leite. Os bichos aí da cidade sabem se guiar pelo calendário?

Essas pessoas ainda foram ver o quarto de Juca, e disseram que o beliche tava 2 cm menor do que devia. Nossa! Eu não sei como encumpridar uma cama, só comprando outra, né Luis? O candeeiro eles disseram que não podia acender no quarto, que tem que ser luz elétrica, que eu tenho que ter um gerador pra ter luz boa no quarto do Juca.

Disseram ainda que a comida que a gente fazia e comia juntos tinha que fazer parte do salário dele. Bom, Luis, tive que pedir ao Juca pra voltar pra casa, desempregado, mas muito bem protegido pelos sindicatos, pelo fiscais e pelas leis. Mas eu acho que não deu muito certo. Semana passada me disseram que ele foi preso na cidade porque botou um chocolate no bolso no supermercado. Levaram ele pra delegacia, bateram nele e não apareceu nem sindicato nem fiscal do trabalho para acudí-lo.

Depois que o Juca saiu, eu e Marina (lembra dela, né? casei) tiramos o leite às 5 e meia, aí eu levo o leite de carroça até a beira da estrada onde o carro da cooperativa pega todo dia,isso se não chover. Se chover, perco o leite e dou aos porcos, ou melhor, eu dava, hoje eu jogo fora.

Os porcos eu não tenho mais, pois veio outro homem e disse que a distância do chiqueiro para o riacho não podia ser só 20 metros . Disse que eu tinha que derrubar tudo e só fazer chiqueiro depois dos 30 metros de distância do rio, e ainda tinha que fazer umas coisas pra proteger o rio, um tal de digestor. Achei que ele tava certo e disse que ia fazer, mas só que eu sozinho ia demorar uns trinta dia pra fazer, mesmo assim ele ainda me multou, e pra poder pagar eu tive que vender os porcos as madeiras e as telhas do chiqueiro, fiquei só com as vacas. O promotor disse que desta vez, por esse crime, ele não vai mandar me prender, mas me obrigou a dar 6 cestas básicas pro orfanato da cidade. Ô Luis, aí quando vocês sujam o rio, também pagam multa grande, né?

Agora pela água do meu poço eu até posso pagar, mas tô preocupado com a água do rio. Aqui agora o rio todo deve ser como o rio da capital, todo protegido, com mata ciliar dos dois lados. As vacas agora não podem chegar no rio pra não sujar, nem fazer erosão. Tudo vai ficar limpinho como os rios aí da cidade. A pocilga já acabou, as vacas não podem chegar perto. Só que alguma coisa tá errada, quando vou na capital nem vejo mata ciliar, nem rio limpo. Só vejo água fedida e lixo boiando pra todo lado.

Mas não é o povo da cidade que suja o rio, né Luis? Quem será? Aqui no mato agora quem sujar tem multa grande, e dá até prisão. Cortar árvore então, Nossa Senhora!. Tinha uma árvore grande ao lado de casa que murchou e tava morrendo, então resolvi derrubá-la para aproveitar a madeira antes dela cair por cima da casa.

Fui no escritório daqui pedir autorização; como não tinha ninguém, fui no Ibama da capital, preenchi uns papéis e voltei para esperar o fiscal vim fazer um laudo, para ver se depois podia autorizar. Passaram 8 meses e ninguém apareceu pra fazer o tal laudo, aí eu vi que o pau ia cair em cima da casa e derrubei. Pronto! No outro dia chegou o fiscal e me multou. Já recebi uma intimação do Promotor porque virei criminoso reincidente. Primeiro foi os porcos, e agora foi o pau. Acho que desta vez vou ficar preso.

Tô preocupado Luis, pois no rádio deu que a nova lei vai dá multa de 500 a 20 mil reais por hectare e por dia. Calculei que se eu for multado, eu perco o sítio numa semana. Então é melhor vender, e ir morar onde todo mundo cuida da ecologia.. Vou para a cidade, aí tem luz, carro, comida, rio limpo. Olha, não quero fazer nada errado, só falei dessas coisas porque tenho certeza que a lei é pra todos.

Eu vou morar aí com vocês, Luis. Mais fique tranqüilo, vou usar o dinheiro da venda do sítio primeiro pra comprar essa tal de geladeira. Aqui no sitio eu tenho que pegar tudo na roça. Primeiro a gente planta, cultiva, limpa e só depois colhe pra levar pra casa. Ai é bom que vocês é só abrir a geladeira que tem tudo. Nem dá trabalho, nem planta, nem cuida de galinha, nem porco, nem vaca, é só abrí a geladeira que a comida tá lá, prontinha, fresquinha, sem precisá de nós, os criminosos aqui da roça.

Até mais, Luis.

Ah, desculpe Luis, não pude mandar a carta em papel reciclado pois não existe por aqui, mas aguarde até eu vender o sítio".

*(Todos os fatos e situações de multas e exigências são baseados em dados verdadeiros. A sátira não visa atenuar responsabilidades, mas alertar o quanto o tratamento ambiental é desigual e discricionário entre o meio rural e o meio urbano.) * "Na prática, a teoria é outra."


( RECEBI POR EMAIL, DESCONHEÇO O AUTOR )

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Nojo...



"Pai, eu quero te agradecer por estarmos aqui, sabemos que nós somos falhos, somos imperfeitos, mas é o Teu sangue que nos purifica de todo o pecado.

Pai, nós somos gratos pela vida do Durval ter sido instrumento de bênção para nossas vidas, para essa cidade, porque o Senhor contempla a questão no seu coração. Tantas são as investidas, Senhor, de homens malignos contra a vida dele, contra nossas vidas.

Nós precisamos dessa Tua cobertura e dessa Tua graça, da Tua sabedoria, de pessoas que tenham, Senhor, armas para nos ajudar nessa guerra. E acima de tudo, Senhor, todas as armas que podem ser falhas, todos os planejamentos podem falhar, todas as nossas atividades, mas o Senhor nunca falha.

O Senhor tem pessoas para condicionar e levar o coração aonde o Senhor quer. A sentença é o Senhor que determina. O parecer, o despacho é o Senhor que faz acontecer. Nós precisamos do livramento da vida do Durval, dos seus filhos, dos seus familiares, ó Pai. Vem dar a vida, Senhor, ao Durval, toma a minha vida.

Nós precisamos de uma cidade diferente. O Senhor tem uma cidade diferente para nós. Tu tens um novo tempo para nós e a tua palavra diz: “pede que eu te darei” e eu creio na tua palavra.

O Senhor é verdade, o Senhor é nossa justiça, o Senhor é aquele que abre as portas.

Meu Deus, a tua palavra diz que serão envergonhados, que serão constituídos em nada aqueles que se levantarem contra nós.

O Senhor um dia pegou um rei, um rei chamado Nabucodonosor, fez ele pastar, comer capim para entender que o Senhor prevalece.

Meu Deus, nós estamos sendo alvo de impiedades. Eu quero entregar o Arruda nas tuas mãos. Eu quero entregar essa equipe ímpia, má, nas tuas mãos. Meu Deus, dá um jeito nessa situação. Tira esses homens do nosso caminho.

Faze-o Senhor crescer e ter a tua bênção.

É o que oramos em nome de Jesus".

Aqui aparecem o deputado Rubens César Brunelli Junior (partido PSC e da Igreja Casa da Bênção),o secretário Durval Barbosa e o presidente da Câmara Legislativa, Leonardo Prudente (partido DEM e da Igreja Sara nossa Terra). Todos envolvidos no escândalo protagonizado pelo governador José Roberto Arruda.

Esta cena é pior que aquela dos vendilhões do Templo... Iria faltar chicote para Jesus...

No Evangelho de Mateus (Cap. 21, 12-17) Jesus expulsa do templo os vendilhões, dizendo: “A minha casa será chamada casa de oração, mas vós fizestes dela um covil de ladrões”.

“Chegaram pois a Jerusalém. E havendo entrado no templo começou a lançar fora os que vendiam e compravam no templo: e derrubou as mesas do banqueiros e as cadeiras dos que vendiam pombas.

( … ) E Ele os ensinava dizendo-lhes: Porventura não está escrito que a minha casa será chamada casa de oração entre todas as gentes? E vós tendes feito dela covil de ladrões”. “E, feito um açoite de cordéis, lançou fora do templo, também os bois e as ovelhas, espalhou o dinheiro dos mercadores e derrubou as mesas”.

“Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas (Mateus, 23:14); “serpentes, raças de víboras” (Mateus, 23:33); “escribas e fariseus hipócritas, sois semelhantes aos sepulcros caiados, que aos homens parecem belos por fora e por dentro estão cheios de ossos mortos e de toda a asquerosidade” (Mateus, 22:27-28).

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Sobre natais e fins de ano...

Hoje baseio minha reflexão em uma poesia de meu amigo Alexandre Simas e em um video produzido por meu amigo António Bordalo. Que video belíssimo... confesso que me emocionei... Sua leitura da realidade de milhões, isolados e relegados ao abandono, sua mensagem final de esperança é de uma profunda sensibilidade... Já a poesia de Alexandre é um olhar crítico sarcástico, ferina/irônica fala poética que retira a casca de uma ferida mal cicatrizada, nos remetendo às incongruências de um discurso que não nos diz respeito: há um Natal de hábitos exóticos, uma "tradição" importada e imposta de neves e chaminés, de absurdos casacos e meias de lã... num país tropical... Ambos, poesia e video se complementam...

OUTRO NATAL

Sonhamos com neve sobre o telhado
Em pleno verão tropical
Papai Noel escorregando por chaminés
Em pleno verão tropical
Pinheiros nevados aterrados em presentes
Em pleno verão tropical...
... No país do eterno amanhã

Mesa farta de tâmaras, morangos, avelãs
Maçãs, figos, pêssegos, cerejas, nozes...
No país do caju, da manga, do abacaxi
Da goiaba, da banana, do açaí, do cupuaçú
Da graviola, da pupunha, do tucumã...

Lá fora uma redonda e cheia lua enfeita
Um céu de mil estrelas que pululam tal qual
Balé de vaga-lumes sob um azul quase negro
Embalando o hipnótico sentimento de
Solidariedade em cuja parede pendura-se
O quadro da hipocrisia, pintado com as cores
De nossa cega estupidez, quase irmã

Orgulhosos, distribuímos nossas migalhas
Aos pobres desafortunados...
Tão ou mais ricos dos nossos mesmos sonhos...
... Até acordarem pela manhã

Com a chegada dos soturnos dias de Janeiro
E junto com eles todas as lágrimas da terra
Recomeçando o drama da nova espera
Das caridades do próximo natal
Único dia no ano que a maioria das almas...
... Enxerga sua irmã (Alexandre Simas Costa )




Esta é a época da ostentação de fartura e brilho na pequenez e escuridão de muitos lares (?)... da ilusão de que uma reunião anual transforma em família o que não passa de uma obrigação social... Esta é uma época em que as disparidades sociais mais se evidenciam: convivem lado a lado nos shopping centers aqueles que se alimentarão em excesso e aqueles que se sentiriam gratos pelas sobras dos banquetes, aqueles que se endividam para servir banquetes e aqueles que nada têm para por à mesa...

Esta é a época em que se tenta fazer as pazes com a consciência na distribuição de esmolas do que já não nos serve mais... e a mão esquerda sabe o que fez a direita...

Esta é a época dos apelos à fraternidade, do início dos endividamentos... Nesta época incomoda-nos a mensagem escancarada de simplicidade que o nascimento de Jesus evoca; nesta época dâmo-nos conta de que somos todos de uma única espécie e enxergamos no outro um irmão... mas esquecemos depressa demais e após a pausa do cessar fogo no primeiro dia do ano, lá vamos de novo - a empunhar nossas armas para garantir e relembrar nossas diferenças... Com os bolsos menos cheios, os corpos mais gordos das intermináveis sessões de gula, os cartões de crédito a nos darem as boas vindas ao novo ano...

No dia 26 de dezembro já estará vazio novamente o prato daquele que tão caridosamente enchemos com o que sobrou de nossa ceia; já nos desviaremos novamente do olhar marginal da pobreza; o brilho das luzes faiscantes já terá sido prejudicado pela queima de muitas lampadazinhas; os brinquedos já foram comparados, já foram mostrados e já terão perdido seu encanto de novidade...

Esta é a época dos balanços externos e internos; se aqueles quantificam os lucros e deficits relacionados ao nosso trabalho, nossas atividades comerciais, estes apontam os ganhos e perdas reais qualitativos de nossos relacionamentos, nossos investimentos na conta bancária de nós mesmos enquanto seres humanos. Nesta época, comumente olhamos para os 365 dias que vivemos e, às vezes, dâmo-nos conta de que simplesmente esquecêmo-nos todos de vivê-los por completo... Engolimos apressados os dias, dia após dia culpando a falta de tempo para colocar em prática as nossas promessas de fim de ano...

Porque é comum nesta época um certo sentimento de tristeza, uma nostalgia de tempos de infância? Coloridos, lá estão em nossa memória os tons da afetividade sadia de uma família traduzidos em risos, cheiros de assados no forno, impaciência de crianças na expectativa de sonhos, luzinhas, sinos e cânticos... Talvez, em parte, porque crescemos todos e a magia se perdeu em alguma loja onde vimos nosso presente ser comprado... Talvez isso começou quando passamos a rir daqueles que acreditavam em Papai Noel ou quando descobrimos que não havia Natal em todas as casas... ou quando pensamos que a mensagem natalina é muito bonita, muito profunda, mas impraticável no dia-a-dia de nossa correria: descobrimos que há mais lobos e ovelhas do que homens no mundo! Talvez porque a desigualdade e as injustiças sociais sejam um problema que deliberamos transferir para as mãos do Governo, para as instituições, pois as nossas próprias mãos já estiveram muito ocupadas 365 dias no ano... Talvez porque preferimos lavar as mãos... talvez porque um dia perdemos nossa inocência e, ao invés de brincarmos juntos, passamos a temer que os nossos brinquedos pudessem ser roubados...

Esta é uma época que deveria ser melhor aproveitada. Deveríamos refletir sobre o porquê de sentirmos todos em meio à alegria dos fogos um certo vazio interior que insiste em nublar o céu de nossos propósitos e promessas. Deveríamos pensar mais no porquê de tanta mutilação a nós mesmos e ao outro na busca desenfreada de um status que prioriza o ter à revelia do ser...

Que neste Natal possamos doar bem mais que nossas sobras: doemos de nós mesmos! De nossa amizade, nossos ouvidos, nosso olhar! Que nossa boca sirva à denúncia, que nossos atos testemunhem nossa responsabilidade social, que nossas mãos distribuam mais que alimento, que afaguem e se prestem à solidariedade comprometida! Que nossos saberes sejam usados na construção de pontes a unir homens e não interesses econômicos! Que nossas armas sejam a Razão, a Ciência, a Literatura, a Música, as religiões postas a serviço do homem e não a seu desfavor! Que sejam instrumentos de união e não de fratricídios, de exclusões sociais, de disseminação de falácias, de ideologias alienizantes, de lógicas aplicadas à segregação, à justificativa da dominação de muitos por alguns...

Que nossas famílias possam se sentir unidas e não se limitem suas reuniões ao sentimento de uma obrigação social; que o presente mais valioso que possamos dar aos nossos filhos (e que eles esperem receber) esteja desvinculado de um valor monetário; que o alimento que oferecermos sacie o outro de uma fome moral; que não se sinta humilhado aquele que recebe, nem se envaideça o que doou; que cumpramos os nossos prometidos se promoverem nosso aprimoramento pessoal; que vivamos realmente os dias do novo ano; que paremos de ser hipócritas, que deixemos nossa inércia, que enxerguemos o que se passa a nossa volta e paremos de tropeçar nos obstáculos criados por nossa própria pequenez!

Esta época traz-nos mais uma oportunidade de resgate, de construção e reconstrução de valores. A Mensagem está a cada dia mais se enfraquecendo, pois já não lhe damos valor... Aproveitemos todos esta época que nos sugere que o mal estar que sentimos deve-se à nossa falta de comprometimento com o essencial... Mais que aquele do qual Exupéry disse ser "invisível aos olhos", o essencial é por vezes tangível: esbarramos nele a cada dobra da esquina, a cada vez que ligamos a TV e ouvimos os noticiários, a cada vez que sabemos que o aroma de nossa mesa farta chega pelo vento - apesar de nossos muros - ao casebre de alguém que tem fome..., a cada vez que sabemos do injusto e cruzamos nossos braços.

De nada servem os apelos sentimentais se os esquecemos tão céleres após a ressaca dos nossos excessos no dia seguinte...Soam tão longínquos como a neve, as frutas exóticas e caras, as meias de lã e as chaminés por onde entrará um Papai Noel que não se suja... Para que tenhamos realmente um "Feliz Natal" é urgente não esquecer que somos responsáveis pelo Natal feliz do nosso "inimigo"; para que exista realmente um "feliz Natal" é urgente saber que a Mensagem também se aplica a ele e, só se efetiva na prática, quando já não há mais "inimigos"... Para que existam felizes natais é necessário nos desvincularmos da ideia assistencialista que promove campanhas sazonais e imediatistas e se dê incentivo às reais condições de melhoria de vida (emprego digno, educação e saúde de qualidade, por exemplo) da população.

É necessário entender que a fome aplacada de hoje voltará amanhã, e também, que no final do ano que vem poderá voltar aquele sentimento de vazio interior ao qual me referí... Porque mascaramos todos as reais necessidades, já estarão nossas crianças a desejar outros brinquedos (talvez nem esperem este dezembro terminar...), continuarão nas ruas os marginalizados sociais, estaremos nos preparando todos para novos endividamentos com gastos supérfluos, proporemos novamente mudanças interiores e nos encheremos de ânimo para cumprir velhas promessas... Até quando? Pensemos todos nisso. Deixo a todos um sincero e fraternal abraço de Natal... de um real e feliz Natal para todos os homens. E que venha 2010! E que nos encontre a todos despertos!

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

A visão de um diplomata português sobre as relações entre Brasil e Portugal


Trago hoje para a apreciação de meus amigos este texto irretocável, misto de memórias e profundo olhar crítico, de olhares acerca das relações Brasil/Portugal, de um homem fantástico que o Brasil teve a honra de conhecer: FRANCISCO SEIXAS DA COSTA, diplomata, ex embaixador de Portugal no Brasil, atualmente embaixador de Portugal na França. Este texto foi transcrito de um dos blogues do próprio Francisco ( http://ou-quatro-coisas.blogspot.com/2009/12/tanto-mar.html).

TANTO MAR?

Um fim de tarde de 1989, com o sol a pôr-se ao fundo da montanha, encontrou-me na praça central de Ouro Preto. Olhando em volta, entre a rua Direita e a do Ouvidor, apercebi-me, pela primeira vez, que uma parte de nós mesmos, dos portugueses, ficou para sempre por ali, por mais cantado que agora seja o sotaque, por muito distante que o nosso próprio mundo agora possa estar. Essa imagem ficou-me gravada na memória e atravessou comigo os anos.

Passou-se mais de década e meia antes de eu regressar ao Brasil e antes de perceber – de novo no casario de Ouro Preto, mas também no silêncio nobre de Alcântara, no bulício africano do Pelourinho de Salvador ou nas esquinas apressadas do centro do Rio – que, verdadeiramente, só se pode entender bem o que Portugal é, e não apenas o que Portugal foi, depois de mergulhar no Brasil.


A comoção de entrar no forte Príncipe da Beira, de tropeçar nos nossos vestígios em Nova Mazagão, de lembrar os Açores em Ribeirão da Ilha, de ficar esmagado pela monumentalidade do Real Gabinete do Rio, de fixar a decadência serena da Beneficência Portuguesa em Belém, de sentir o cheiro forte das lojas de tudo, frente ao mercado de Manaus – tudo isso é preciso para que se prolongue em nós a interrogação, sem resposta, sobre o que é, afinal, ser português no mundo. Não se é português porque se nasceu em Portugal. É-se português pelo somatório das viagens que outros fizeram por nós, dos que foram e voltaram cheios de histórias mitificadas das Pasárgas que poderiam ter tido, mas também dos que não voltaram, dos que “queimaram as caravelas” e se entregaram aos novos mundos que fizeram seus.


O Brasil é o nosso álbum de memórias de um passado que é deles – não foram os nossos antepassados que colonizaram o Brasil, foram os antepassados dos brasileiros –, mas no qual não conseguimos deixar de nos sentir eternos figurantes no cenário de fundo. Às vezes, nessas encruzilhadas de paisagem que nos acordam um Portugal que, afinal, nunca conhecemos, foge-nos o pé patriótico para a tentação nostálgica da glorificação da gesta conquistadora, sem nos apercebermos que a face verdadeira da nossa glória, mais do que o saldo complexo da aventura colonial, está bem mais próxima de nós, está aqui nesta página, está nesta língua que nos une e cujas diferenças muito humanamente nos separam.


Ao longo de quase quatro anos no Brasil, coloquei sempre duas questões a mim mesmo: o que é hoje o Brasil para Portugal? E Portugal para o Brasil? Não sei se obtive ou obterei alguma vez a verdadeira resposta, mas ouso arriscar a minha.


No imaginário tradicional português, a independência do Brasil permanece como que se uma “jangada de pedra” se tivesse um dia afastado, num arroubo de um príncipe que transpirou a vontade de muitos, nela criando uma nação que éramos nós em sorridente, com mais música e alegria e com riqueza fácil à mão.


Os “brasis” foram sempre uma espécie de miragem para quem, em Portugal, sentia a aventura nas veias, para quantos, por ambição ou angústia, se decidiam a partir, muitas vezes sem o saber, para sempre. Para os portugueses, o Brasil era um destino muito diferente do de África, era mais acolhedor, menos perigoso e misterioso, algo mais próximo. Do outro lado do Atlântico, todos encontrariam um primo, uma afeição, uma hipótese para refazer a vida. Os que voltavam, traziam consigo como que um estranho vírus tropical de afectividade, um jeito informal e bizarro, uma forma de estar a que, por vezes, se associava uma ideia de inconstância ou de ligeireza. Mas o Brasil foi e permaneceu sempre, no sentimento profundo de muito portugueses, o último reduto da esperança, na busca por um melhor destino ou na luta pela liberdade. Ou um mero local de refúgio, a fronteira limite de uma mudança, como a casa de um familiar que nos acolhe numa crise de vida.


Pelo Brasil, durante largas décadas, muitos e muitos milhares de portugueses fizeram um trabalho árduo, geraram riquezas, às vezes para si próprios, quase sempre constituíram famílias que os “abrasileiraram”, foram leais a quem os acolheu bem, tornaram-se brasileiros de coração. Mas sempre cuidaram em guardar a memória dos vilarejos pobres de onde haviam partido e em alimentar, à sua maneira, o orgulho do país de que, sem o saberem, foram sempre os mais lídimos embaixadores. Por aqui ergueram instituições magníficas, deram lições de solidariedade e, na sua esmagadora maioria, tornaram a palavra seriedade como sinónimo de ser português no Brasil. E esse seu patriotismo sem baias levou a que, ironicamente, muitos acabassem por se identificar com o regime que, em Portugal, lhes não soube dar condições para poderem exercer esse direito natural que é cada um poder construir uma vida decente e próspera, sem ter, necessariamente, de sair do lugar onde nasceu.


Com o tempo, o Brasil mais verdadeiro, já não o Brasil virtual levado pelos “torna-viagem”, foi-se aproximando de Portugal e a sua imagem tornou-se-nos mais nítida: com a sua música eterna como fundo, servida por um “português com açúcar”, consumíamos as latas da goiabada e as resmas de “Cruzeiros” e “Manchetes” que os primos nos mandavam pelos natais. Nas suas páginas, como nos cantos do Juca Chaves e, mais tarde, do Chico Buarque, fomos aprendendo que, afinal, também por lá havia “amigos da onça”…


Amado, Veríssimo, Bandeira, Vinícius e tantos outros fizeram parte do mundo íntimo de muitos de nós. As novelas ensinaram-nos, com espanto, que o brasileiro também chorava – nem sempre sorria, nem tudo era carnaval e futebol. E percebemos melhor porquê, com a face patibular da ditadura militar a trazer-nos os exilados que encontrávamos por noites de Lisboa, onde vinham partilhar os cravos da festa do nosso contentamento. Com a liberdade já a passar por aqui, o Brasil foi-se definindo melhor aos nossos olhos – um país ambicioso, optimista, sempre “cordial” para quem lhe falava na língua quase comum. E, a cumular tudo isso, uma sociedade que procurou o caminho da reconciliação consigo própria, transformando-se numa democracia plena, que a atenuação das desigualdades reforça no dia-a-dia.


A prosperidade de uns tempos felizes trouxe os portugueses para as praias do Nordeste, onde aprenderam a apreciar a amenidade das gentes e se deliciaram com a descoberta de um “país sempre em férias”. Outros, mais engravatados nos negócios da modernidade, davam bom uso aqui aos capitais do novo ouro europeu, surpreendendo quem julgava que o português era prisioneiro eterno do bigode, do jeito fadista ou da postura seráfica, oscilando entre o bacalhau e a sardinha.


É que o imaginário do Brasil construiu-nos, pelos tempos, à semelhança de um imigrante-cliché, eternamente fixado na simplicidade do seu passado, rígido nos modos, linear na expressão, caricatura posta a jeito para a anedota fácil. Temos que saber entender que a “anedota do português”, quase sempre uma benigna erupção de alergia anti-colonial, é também, muitas vezes, um sintoma remanescente de alguma lusofobia, essa doença infantil da brasilidade que se espalhou por todo o século XIX e que parece ter deixado ainda uma marca residual em alguns sectores académicos e sociais contemporâneos.


Com o seu mundo a mudar, o brasileiro mudou-se para o mundo e arribou a Portugal em doses maciças, desaguando num país do tamanho de Pernambuco e com a população do Paraná. A crise dos dentistas havia revelado que algum Brasil nos sentia ingratos. Sou dos que entendem que a onda recente de brasileiros, esse teste definitivo à nossa apregoada tolerância, pode dar sangue novo às nossas relações e contribuir para que, no Brasil, a imagem de Portugal se cole mais ao país que hoje realmente somos, um retrato eventualmente não tão inocente e bastante mais real, do que temos de bom e de mau. E com o turismo, que agora é também a partir de cá, a aproveitar a imensidão de voos da TAP, quero crer que os brasileiros vão, em poucos anos, entender o que nós já sabemos por aqui de há muito – que é possível estar no estrangeiro sem, verdadeiramente, deixar de nos sentirmos em casa.


Mas, também do nosso lado, Portugal vai ter de aprender alguma coisa mais. Vai ter de perceber, de uma vez por todas, que a sua relação com o Brasil tem uma assimetria inescapável e eterna. Para nós, o Brasil “é” português, é uma “criação” nossa e, por isso, crises à parte, ser pró-brasileiro em Portugal é a opção mais natural e óbvia, salvo na mediocridade xenófoba e minoritária de alguns “pixadores” anónimos dos muros da nossa própria imagem.


Ora o Brasil é muito mais do que o que Portugal por aqui deixou, é uma sociedade onde africanos, alemães, japoneses, árabes, italianos e tantos outros se projectaram e ajudaram a construir um fantástico país, no qual livremente cultivam, sem qualquer pressão uniformizadora, as suas memórias e tradições. Por essa razão, porque não têm galos de Barcelos ou caravelas quinhentistas na sala, nada os obriga a reverenciar uma “terrinha” de onde não vieram os seus antepassados, de onde talvez só apreciem o bolinho de bacalhau ou o pastel de Belém, lugar de Lisboa que aliás não sabem muito bem onde fica – no que estão no seu pleníssimo direito. Por isso, quando a grande maioria de nós, portugueses, se junta a amigos brasileiros para apoiar, sem hesitação, o “escrete canarinho”, durante as “copas” por esse mundo fora, não devemos esperar uma retribuição idêntica. Temos de acordar para a realidade de que, em Blumenau, é a selecção alemã a escolhida ou que, na Móoca paulistana, a squadra azzura terá sempre preferência, pelo que a sorte do “time” português lhes será provavelmente indiferente, em especial depois da saída de Felipão.


Quem, em Portugal, não entender isto, não vai conseguir entender nunca o Brasil. O que não significa que nos não reste ainda muito em comum, a começar pela tolerância que permite esta sã convivência de culturas e pessoas – essa sim, uma das duas valiosas heranças que por aqui deixámos. A outra é a língua, soando diferente aos ouvidos, mas que liga ambos os países a outros continentes e que se procura agora evitar que se afaste na sua forma escrita, para melhor nos servir na nossa afirmação individual e colectiva pelo mundo.

Termino com duas constatações que são hoje as mais óbvias das ideias que formei no Brasil.

A primeira é que ter sido diplomata português no Brasil foi um privilégio que não trocaria por nenhuma outra experiência.

A segunda é que Chico Burque não tem razão: já não há 'tanto mar' a separar o Brasil de Portugal.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Campanha Ficha Limpa

Sobre o Povo


Há uma poesia belíssima de Cora Coralina intitulada ORAÇÃO DO MILHO. Ao lê-la preparei esta reflexão.

ORAÇÃO DO MILHO

Senhor, nada valho!
Sou a planta humilde dos quintais e das lavouras pobres.
Meu grão perdido por acaso, nasce e cresce na terra descuidada.
Ponho folhas e hastes e se me ajudardes, Senhor, mesmo planta de acaso solitária, dou espigas e devolvo, em muitos grãos, o grão perdido inicial, salvo por milagre, que a terra fecundou.
Sou a planta primária da lavoura, não me pertence a hierarquia tradicional do trigo e de mim não se faz o pão alvo universal.
O Justo não me consagrou o pão da vida, nem lugar me foi dado nos altares.
Sou apenas o alimento forte e substancial dos que trabalham a terra onde não vinga o trigo nobre; sou de origem obscura e de ascendência pobre, alimento dos rústicos e animais de jugo.
Quando os deuses da Hélade corriam pelos bosques coroados de rosas e espigas; quando os hebreus iam em longas caravanas buscar na terra do Egito o trigo dos faraós; quando Rute respigava cantando nas searas de Booz e Jesus abençoava os trigais maduros, eu era apenas o Bró, nativo das tabas ameríndias.
Fui o angú pesado e constante do escravo na exaustão do eito.
Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante.
Sou a farinha econômica do proletário; sou a polenta do imigrante e a miga dos que começam a vida em terra estranha.
Alimento de porcos e do triste mu de carga, o que me planta não levanta comércio, nem avantaja dinheiro.
Sou apenas a fartura generosa e despreocupada dos paióis,
Sou o cocho abastecido donde rumina o gado,
Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que amanhece,
Sou o cacarejo alegre das poedeiras à volta dos seus ninhos,
Sou a pobreza vegetal agradecida a vós, Senhor, que me fizestes necessário e humilde.
Sou o milho!


Lendo esta belíssima criação de nossa Cora Coralina, não conseguí evitar uma associação entre o milho e o povo. Acostumâmo-nos a singularizar pessoas e não povos. A História é feita de nomes: alguns odiados, outros memoráveis, nomes estes oriundos do anonimato, geridos na multidão de sem nomes...

Ao povo cabe o múnus de ora forjar heróis, ora mártires... Dele saem as forças armadas ou os voluntários da ajuda humanitária ao modo de um supra povo...
Ah, esse povo que elege seus líderes e se verga sob o peso do esquecimento daquele que alçou ao poder... Esse povo cheio de fé e boa-fé que coloca sua vida - orações vivas - no altar dos dias...de trabalho...todos os dias ao levar à mesa, por vezes, mirrado, seco pão temperado de suor que alimentará um novo líder... Povo que vota como quem diz "eu confio em você, você saiu de mim"... e se queda triste qual mãe a se entristecer com a ingratidão do filho...

Em cada batalha da História, em cada guerra que ainda hoje se trava - povo contra povo -, quantas vidas ceifadas para que a certeza de um povo se imponha em suas verdades ou mentiras , para que um povo se perpetue em seus avanços e recuos... Povo-alimento dos grandes nomes, "fartura generosa e despreocupada" dos grandes feitos...segue o povo no anonimato tecendo a História, imolando-se e tornando-se cinza de corpos sem medalhas ou condecorações, sem constar dos livros de História...
Povo que se insurge, por vezes, em revolta; povo às vezes expulso, refugiado em outros povos, emigrante forçado: é o Estado voltando as costas a quem o criou, à semelhança de pai a expulsar o filho de casa... Povo que é braços, pernas, pés e mãos, corpo que alimenta o cérebro da Nação...

Esse povo "que põe folhas e hastes" em qualquer pedaço de chão retribui com "espigas" e muitos novos, heterogêneos grãos à terra de homens... Povo que canta, dança e rí esquecendo suas tristezas, que tem orgulho de ser povo na alegria de seu folclore, de suas lendas, de seu saber "não científico" e, que se entristece com as armas, com os novos hábitos, com a incompreensão de outros povos, com o jeito do Futuro se impor...

Povo que não quer deixar de ser povo... que entende da sua "humildade e necessidade"...que sabe cantar - qual galos - a alegria de gerar nomes; que alimenta com fartura de risos e amor aquele que com suas palavras e atos alimentará sonhos de povos...

Povo que, por vezes, envereda por caminhos que não escolheria...se pudesse. Povo que se dilui em outros povos e vê triste e impotente a destruição de sua cultura... povo que retribui enriquecendo a cultura que os absorveu...

Ao pensar em "povo", penso em mim. Nada tenho da singularidade que me destacaria do povo. Cabem-me todas as palavras da poetisa e, dou-me conta, agradecida, de que minha "humildade" é essencial e necessária. Sim, sou mesmo a planta comum e forte a lançar meus grãos-mensagens neste chão - ora fértil, ora estéril ... Da hierarquia do "trigo" nem cogito...sou planta hibridizada por beija-flores... fortes-frágeis beija flores...

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