sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

A carta do Zé da Roça para o Luís da cidade...



A PURA E DURA FATALIDADE QUE OCORRE COM O VERDADEIRO PEQUENO PRODUTOR RURAL... VALE A PENA LER!!!

"Luis, quanto tempo!

Eu sou o Zé, teu colega de ginásio noturno, que chegava atrasado, porque o transporte escolar do sítio sempre atrasava, lembra né? O Zé do sapato sujo? Tinha professor e colega que nunca entenderam que eu tinha de andar a pé mais de meia légua para pegar o caminhão, por isso o sapato sujava.
Se não lembrou ainda eu te ajudo. Lembra do Zé Cochilo... hehehe, era eu. Quando eu descia do caminhão de volta pra casa, já era onze e meia da noite, e com a caminhada até em casa, quando eu ia dormir já era mais de meia-noite.
De madrugada pai precisava de ajuda pra tirar leite das vacas. Por isso eu só vivia com sono. Do Zé Cochilo você lembra, né Luis?

Pois é. Estou pensando em mudar para viver aí na cidade que nem vocês. Não que seja ruim o sítio, aqui é bom. Muito mato, passarinho, ar puro... Só que acho que estou estragando muito a tua vida e a de teus amigos ai da cidade.

Tô vendo todo mundo falar que nós da agricultura familiar estamos destruindo o meio ambiente.

Veja só. O sítio de pai, que agora é meu (não te contei, ele morreu e tive que parar de estudar), fica só a uma hora de distância da cidade. Todos os matutos daqui já têm luz em casa, mas eu continuo sem ter porque não se pode fincar os postes por dentro de uma tal de APPA que criaram aqui na vizinhança.

Minha água é de um poço que meu avô cavou há muitos anos, uma maravilha, mas um homem do governo veio aqui e falou que tenho que fazer uma outorga da água e pagar uma taxa de uso, porque a água vai se acabar. Se ele falou deve ser verdade, né Luis?

Pra ajudar com as vacas de leite (o pai se foi, né ...) contratei Juca, filho de um vizinho muito pobre aqui do lado. Carteira assinada, salário mínimo, tudo direitinho como o contador mandou. Ele morava aqui com nós num quarto dos fundos de casa. Comia com a gente, que nem da família. Mas vieram umas pessoas aqui, do sindicato e da Delegacia do Trabalho, elas falaram que se o Juca fosse tirar leite das vacas às 5 horas tinha que receber hora extra noturna, e que não podia trabalhar nem sábado nem domingo, mas as vacas daqui não sabem os dias da semana, aí não param de fazer leite. Os bichos aí da cidade sabem se guiar pelo calendário?

Essas pessoas ainda foram ver o quarto de Juca, e disseram que o beliche tava 2 cm menor do que devia. Nossa! Eu não sei como encumpridar uma cama, só comprando outra, né Luis? O candeeiro eles disseram que não podia acender no quarto, que tem que ser luz elétrica, que eu tenho que ter um gerador pra ter luz boa no quarto do Juca.

Disseram ainda que a comida que a gente fazia e comia juntos tinha que fazer parte do salário dele. Bom, Luis, tive que pedir ao Juca pra voltar pra casa, desempregado, mas muito bem protegido pelos sindicatos, pelo fiscais e pelas leis. Mas eu acho que não deu muito certo. Semana passada me disseram que ele foi preso na cidade porque botou um chocolate no bolso no supermercado. Levaram ele pra delegacia, bateram nele e não apareceu nem sindicato nem fiscal do trabalho para acudí-lo.

Depois que o Juca saiu, eu e Marina (lembra dela, né? casei) tiramos o leite às 5 e meia, aí eu levo o leite de carroça até a beira da estrada onde o carro da cooperativa pega todo dia,isso se não chover. Se chover, perco o leite e dou aos porcos, ou melhor, eu dava, hoje eu jogo fora.

Os porcos eu não tenho mais, pois veio outro homem e disse que a distância do chiqueiro para o riacho não podia ser só 20 metros . Disse que eu tinha que derrubar tudo e só fazer chiqueiro depois dos 30 metros de distância do rio, e ainda tinha que fazer umas coisas pra proteger o rio, um tal de digestor. Achei que ele tava certo e disse que ia fazer, mas só que eu sozinho ia demorar uns trinta dia pra fazer, mesmo assim ele ainda me multou, e pra poder pagar eu tive que vender os porcos as madeiras e as telhas do chiqueiro, fiquei só com as vacas. O promotor disse que desta vez, por esse crime, ele não vai mandar me prender, mas me obrigou a dar 6 cestas básicas pro orfanato da cidade. Ô Luis, aí quando vocês sujam o rio, também pagam multa grande, né?

Agora pela água do meu poço eu até posso pagar, mas tô preocupado com a água do rio. Aqui agora o rio todo deve ser como o rio da capital, todo protegido, com mata ciliar dos dois lados. As vacas agora não podem chegar no rio pra não sujar, nem fazer erosão. Tudo vai ficar limpinho como os rios aí da cidade. A pocilga já acabou, as vacas não podem chegar perto. Só que alguma coisa tá errada, quando vou na capital nem vejo mata ciliar, nem rio limpo. Só vejo água fedida e lixo boiando pra todo lado.

Mas não é o povo da cidade que suja o rio, né Luis? Quem será? Aqui no mato agora quem sujar tem multa grande, e dá até prisão. Cortar árvore então, Nossa Senhora!. Tinha uma árvore grande ao lado de casa que murchou e tava morrendo, então resolvi derrubá-la para aproveitar a madeira antes dela cair por cima da casa.

Fui no escritório daqui pedir autorização; como não tinha ninguém, fui no Ibama da capital, preenchi uns papéis e voltei para esperar o fiscal vim fazer um laudo, para ver se depois podia autorizar. Passaram 8 meses e ninguém apareceu pra fazer o tal laudo, aí eu vi que o pau ia cair em cima da casa e derrubei. Pronto! No outro dia chegou o fiscal e me multou. Já recebi uma intimação do Promotor porque virei criminoso reincidente. Primeiro foi os porcos, e agora foi o pau. Acho que desta vez vou ficar preso.

Tô preocupado Luis, pois no rádio deu que a nova lei vai dá multa de 500 a 20 mil reais por hectare e por dia. Calculei que se eu for multado, eu perco o sítio numa semana. Então é melhor vender, e ir morar onde todo mundo cuida da ecologia.. Vou para a cidade, aí tem luz, carro, comida, rio limpo. Olha, não quero fazer nada errado, só falei dessas coisas porque tenho certeza que a lei é pra todos.

Eu vou morar aí com vocês, Luis. Mais fique tranqüilo, vou usar o dinheiro da venda do sítio primeiro pra comprar essa tal de geladeira. Aqui no sitio eu tenho que pegar tudo na roça. Primeiro a gente planta, cultiva, limpa e só depois colhe pra levar pra casa. Ai é bom que vocês é só abrir a geladeira que tem tudo. Nem dá trabalho, nem planta, nem cuida de galinha, nem porco, nem vaca, é só abrí a geladeira que a comida tá lá, prontinha, fresquinha, sem precisá de nós, os criminosos aqui da roça.

Até mais, Luis.

Ah, desculpe Luis, não pude mandar a carta em papel reciclado pois não existe por aqui, mas aguarde até eu vender o sítio".

*(Todos os fatos e situações de multas e exigências são baseados em dados verdadeiros. A sátira não visa atenuar responsabilidades, mas alertar o quanto o tratamento ambiental é desigual e discricionário entre o meio rural e o meio urbano.) * "Na prática, a teoria é outra."


( RECEBI POR EMAIL, DESCONHEÇO O AUTOR )

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Nojo...



"Pai, eu quero te agradecer por estarmos aqui, sabemos que nós somos falhos, somos imperfeitos, mas é o Teu sangue que nos purifica de todo o pecado.

Pai, nós somos gratos pela vida do Durval ter sido instrumento de bênção para nossas vidas, para essa cidade, porque o Senhor contempla a questão no seu coração. Tantas são as investidas, Senhor, de homens malignos contra a vida dele, contra nossas vidas.

Nós precisamos dessa Tua cobertura e dessa Tua graça, da Tua sabedoria, de pessoas que tenham, Senhor, armas para nos ajudar nessa guerra. E acima de tudo, Senhor, todas as armas que podem ser falhas, todos os planejamentos podem falhar, todas as nossas atividades, mas o Senhor nunca falha.

O Senhor tem pessoas para condicionar e levar o coração aonde o Senhor quer. A sentença é o Senhor que determina. O parecer, o despacho é o Senhor que faz acontecer. Nós precisamos do livramento da vida do Durval, dos seus filhos, dos seus familiares, ó Pai. Vem dar a vida, Senhor, ao Durval, toma a minha vida.

Nós precisamos de uma cidade diferente. O Senhor tem uma cidade diferente para nós. Tu tens um novo tempo para nós e a tua palavra diz: “pede que eu te darei” e eu creio na tua palavra.

O Senhor é verdade, o Senhor é nossa justiça, o Senhor é aquele que abre as portas.

Meu Deus, a tua palavra diz que serão envergonhados, que serão constituídos em nada aqueles que se levantarem contra nós.

O Senhor um dia pegou um rei, um rei chamado Nabucodonosor, fez ele pastar, comer capim para entender que o Senhor prevalece.

Meu Deus, nós estamos sendo alvo de impiedades. Eu quero entregar o Arruda nas tuas mãos. Eu quero entregar essa equipe ímpia, má, nas tuas mãos. Meu Deus, dá um jeito nessa situação. Tira esses homens do nosso caminho.

Faze-o Senhor crescer e ter a tua bênção.

É o que oramos em nome de Jesus".

Aqui aparecem o deputado Rubens César Brunelli Junior (partido PSC e da Igreja Casa da Bênção),o secretário Durval Barbosa e o presidente da Câmara Legislativa, Leonardo Prudente (partido DEM e da Igreja Sara nossa Terra). Todos envolvidos no escândalo protagonizado pelo governador José Roberto Arruda.

Esta cena é pior que aquela dos vendilhões do Templo... Iria faltar chicote para Jesus...

No Evangelho de Mateus (Cap. 21, 12-17) Jesus expulsa do templo os vendilhões, dizendo: “A minha casa será chamada casa de oração, mas vós fizestes dela um covil de ladrões”.

“Chegaram pois a Jerusalém. E havendo entrado no templo começou a lançar fora os que vendiam e compravam no templo: e derrubou as mesas do banqueiros e as cadeiras dos que vendiam pombas.

( … ) E Ele os ensinava dizendo-lhes: Porventura não está escrito que a minha casa será chamada casa de oração entre todas as gentes? E vós tendes feito dela covil de ladrões”. “E, feito um açoite de cordéis, lançou fora do templo, também os bois e as ovelhas, espalhou o dinheiro dos mercadores e derrubou as mesas”.

“Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas (Mateus, 23:14); “serpentes, raças de víboras” (Mateus, 23:33); “escribas e fariseus hipócritas, sois semelhantes aos sepulcros caiados, que aos homens parecem belos por fora e por dentro estão cheios de ossos mortos e de toda a asquerosidade” (Mateus, 22:27-28).

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Sobre natais e fins de ano...

Hoje baseio minha reflexão em uma poesia de meu amigo Alexandre Simas e em um video produzido por meu amigo António Bordalo. Que video belíssimo... confesso que me emocionei... Sua leitura da realidade de milhões, isolados e relegados ao abandono, sua mensagem final de esperança é de uma profunda sensibilidade... Já a poesia de Alexandre é um olhar crítico sarcástico, ferina/irônica fala poética que retira a casca de uma ferida mal cicatrizada, nos remetendo às incongruências de um discurso que não nos diz respeito: há um Natal de hábitos exóticos, uma "tradição" importada e imposta de neves e chaminés, de absurdos casacos e meias de lã... num país tropical... Ambos, poesia e video se complementam...

OUTRO NATAL

Sonhamos com neve sobre o telhado
Em pleno verão tropical
Papai Noel escorregando por chaminés
Em pleno verão tropical
Pinheiros nevados aterrados em presentes
Em pleno verão tropical...
... No país do eterno amanhã

Mesa farta de tâmaras, morangos, avelãs
Maçãs, figos, pêssegos, cerejas, nozes...
No país do caju, da manga, do abacaxi
Da goiaba, da banana, do açaí, do cupuaçú
Da graviola, da pupunha, do tucumã...

Lá fora uma redonda e cheia lua enfeita
Um céu de mil estrelas que pululam tal qual
Balé de vaga-lumes sob um azul quase negro
Embalando o hipnótico sentimento de
Solidariedade em cuja parede pendura-se
O quadro da hipocrisia, pintado com as cores
De nossa cega estupidez, quase irmã

Orgulhosos, distribuímos nossas migalhas
Aos pobres desafortunados...
Tão ou mais ricos dos nossos mesmos sonhos...
... Até acordarem pela manhã

Com a chegada dos soturnos dias de Janeiro
E junto com eles todas as lágrimas da terra
Recomeçando o drama da nova espera
Das caridades do próximo natal
Único dia no ano que a maioria das almas...
... Enxerga sua irmã (Alexandre Simas Costa )




Esta é a época da ostentação de fartura e brilho na pequenez e escuridão de muitos lares (?)... da ilusão de que uma reunião anual transforma em família o que não passa de uma obrigação social... Esta é uma época em que as disparidades sociais mais se evidenciam: convivem lado a lado nos shopping centers aqueles que se alimentarão em excesso e aqueles que se sentiriam gratos pelas sobras dos banquetes, aqueles que se endividam para servir banquetes e aqueles que nada têm para por à mesa...

Esta é a época em que se tenta fazer as pazes com a consciência na distribuição de esmolas do que já não nos serve mais... e a mão esquerda sabe o que fez a direita...

Esta é a época dos apelos à fraternidade, do início dos endividamentos... Nesta época incomoda-nos a mensagem escancarada de simplicidade que o nascimento de Jesus evoca; nesta época dâmo-nos conta de que somos todos de uma única espécie e enxergamos no outro um irmão... mas esquecemos depressa demais e após a pausa do cessar fogo no primeiro dia do ano, lá vamos de novo - a empunhar nossas armas para garantir e relembrar nossas diferenças... Com os bolsos menos cheios, os corpos mais gordos das intermináveis sessões de gula, os cartões de crédito a nos darem as boas vindas ao novo ano...

No dia 26 de dezembro já estará vazio novamente o prato daquele que tão caridosamente enchemos com o que sobrou de nossa ceia; já nos desviaremos novamente do olhar marginal da pobreza; o brilho das luzes faiscantes já terá sido prejudicado pela queima de muitas lampadazinhas; os brinquedos já foram comparados, já foram mostrados e já terão perdido seu encanto de novidade...

Esta é a época dos balanços externos e internos; se aqueles quantificam os lucros e deficits relacionados ao nosso trabalho, nossas atividades comerciais, estes apontam os ganhos e perdas reais qualitativos de nossos relacionamentos, nossos investimentos na conta bancária de nós mesmos enquanto seres humanos. Nesta época, comumente olhamos para os 365 dias que vivemos e, às vezes, dâmo-nos conta de que simplesmente esquecêmo-nos todos de vivê-los por completo... Engolimos apressados os dias, dia após dia culpando a falta de tempo para colocar em prática as nossas promessas de fim de ano...

Porque é comum nesta época um certo sentimento de tristeza, uma nostalgia de tempos de infância? Coloridos, lá estão em nossa memória os tons da afetividade sadia de uma família traduzidos em risos, cheiros de assados no forno, impaciência de crianças na expectativa de sonhos, luzinhas, sinos e cânticos... Talvez, em parte, porque crescemos todos e a magia se perdeu em alguma loja onde vimos nosso presente ser comprado... Talvez isso começou quando passamos a rir daqueles que acreditavam em Papai Noel ou quando descobrimos que não havia Natal em todas as casas... ou quando pensamos que a mensagem natalina é muito bonita, muito profunda, mas impraticável no dia-a-dia de nossa correria: descobrimos que há mais lobos e ovelhas do que homens no mundo! Talvez porque a desigualdade e as injustiças sociais sejam um problema que deliberamos transferir para as mãos do Governo, para as instituições, pois as nossas próprias mãos já estiveram muito ocupadas 365 dias no ano... Talvez porque preferimos lavar as mãos... talvez porque um dia perdemos nossa inocência e, ao invés de brincarmos juntos, passamos a temer que os nossos brinquedos pudessem ser roubados...

Esta é uma época que deveria ser melhor aproveitada. Deveríamos refletir sobre o porquê de sentirmos todos em meio à alegria dos fogos um certo vazio interior que insiste em nublar o céu de nossos propósitos e promessas. Deveríamos pensar mais no porquê de tanta mutilação a nós mesmos e ao outro na busca desenfreada de um status que prioriza o ter à revelia do ser...

Que neste Natal possamos doar bem mais que nossas sobras: doemos de nós mesmos! De nossa amizade, nossos ouvidos, nosso olhar! Que nossa boca sirva à denúncia, que nossos atos testemunhem nossa responsabilidade social, que nossas mãos distribuam mais que alimento, que afaguem e se prestem à solidariedade comprometida! Que nossos saberes sejam usados na construção de pontes a unir homens e não interesses econômicos! Que nossas armas sejam a Razão, a Ciência, a Literatura, a Música, as religiões postas a serviço do homem e não a seu desfavor! Que sejam instrumentos de união e não de fratricídios, de exclusões sociais, de disseminação de falácias, de ideologias alienizantes, de lógicas aplicadas à segregação, à justificativa da dominação de muitos por alguns...

Que nossas famílias possam se sentir unidas e não se limitem suas reuniões ao sentimento de uma obrigação social; que o presente mais valioso que possamos dar aos nossos filhos (e que eles esperem receber) esteja desvinculado de um valor monetário; que o alimento que oferecermos sacie o outro de uma fome moral; que não se sinta humilhado aquele que recebe, nem se envaideça o que doou; que cumpramos os nossos prometidos se promoverem nosso aprimoramento pessoal; que vivamos realmente os dias do novo ano; que paremos de ser hipócritas, que deixemos nossa inércia, que enxerguemos o que se passa a nossa volta e paremos de tropeçar nos obstáculos criados por nossa própria pequenez!

Esta época traz-nos mais uma oportunidade de resgate, de construção e reconstrução de valores. A Mensagem está a cada dia mais se enfraquecendo, pois já não lhe damos valor... Aproveitemos todos esta época que nos sugere que o mal estar que sentimos deve-se à nossa falta de comprometimento com o essencial... Mais que aquele do qual Exupéry disse ser "invisível aos olhos", o essencial é por vezes tangível: esbarramos nele a cada dobra da esquina, a cada vez que ligamos a TV e ouvimos os noticiários, a cada vez que sabemos que o aroma de nossa mesa farta chega pelo vento - apesar de nossos muros - ao casebre de alguém que tem fome..., a cada vez que sabemos do injusto e cruzamos nossos braços.

De nada servem os apelos sentimentais se os esquecemos tão céleres após a ressaca dos nossos excessos no dia seguinte...Soam tão longínquos como a neve, as frutas exóticas e caras, as meias de lã e as chaminés por onde entrará um Papai Noel que não se suja... Para que tenhamos realmente um "Feliz Natal" é urgente não esquecer que somos responsáveis pelo Natal feliz do nosso "inimigo"; para que exista realmente um "feliz Natal" é urgente saber que a Mensagem também se aplica a ele e, só se efetiva na prática, quando já não há mais "inimigos"... Para que existam felizes natais é necessário nos desvincularmos da ideia assistencialista que promove campanhas sazonais e imediatistas e se dê incentivo às reais condições de melhoria de vida (emprego digno, educação e saúde de qualidade, por exemplo) da população.

É necessário entender que a fome aplacada de hoje voltará amanhã, e também, que no final do ano que vem poderá voltar aquele sentimento de vazio interior ao qual me referí... Porque mascaramos todos as reais necessidades, já estarão nossas crianças a desejar outros brinquedos (talvez nem esperem este dezembro terminar...), continuarão nas ruas os marginalizados sociais, estaremos nos preparando todos para novos endividamentos com gastos supérfluos, proporemos novamente mudanças interiores e nos encheremos de ânimo para cumprir velhas promessas... Até quando? Pensemos todos nisso. Deixo a todos um sincero e fraternal abraço de Natal... de um real e feliz Natal para todos os homens. E que venha 2010! E que nos encontre a todos despertos!

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

A visão de um diplomata português sobre as relações entre Brasil e Portugal


Trago hoje para a apreciação de meus amigos este texto irretocável, misto de memórias e profundo olhar crítico, de olhares acerca das relações Brasil/Portugal, de um homem fantástico que o Brasil teve a honra de conhecer: FRANCISCO SEIXAS DA COSTA, diplomata, ex embaixador de Portugal no Brasil, atualmente embaixador de Portugal na França. Este texto foi transcrito de um dos blogues do próprio Francisco ( http://ou-quatro-coisas.blogspot.com/2009/12/tanto-mar.html).

TANTO MAR?

Um fim de tarde de 1989, com o sol a pôr-se ao fundo da montanha, encontrou-me na praça central de Ouro Preto. Olhando em volta, entre a rua Direita e a do Ouvidor, apercebi-me, pela primeira vez, que uma parte de nós mesmos, dos portugueses, ficou para sempre por ali, por mais cantado que agora seja o sotaque, por muito distante que o nosso próprio mundo agora possa estar. Essa imagem ficou-me gravada na memória e atravessou comigo os anos.

Passou-se mais de década e meia antes de eu regressar ao Brasil e antes de perceber – de novo no casario de Ouro Preto, mas também no silêncio nobre de Alcântara, no bulício africano do Pelourinho de Salvador ou nas esquinas apressadas do centro do Rio – que, verdadeiramente, só se pode entender bem o que Portugal é, e não apenas o que Portugal foi, depois de mergulhar no Brasil.


A comoção de entrar no forte Príncipe da Beira, de tropeçar nos nossos vestígios em Nova Mazagão, de lembrar os Açores em Ribeirão da Ilha, de ficar esmagado pela monumentalidade do Real Gabinete do Rio, de fixar a decadência serena da Beneficência Portuguesa em Belém, de sentir o cheiro forte das lojas de tudo, frente ao mercado de Manaus – tudo isso é preciso para que se prolongue em nós a interrogação, sem resposta, sobre o que é, afinal, ser português no mundo. Não se é português porque se nasceu em Portugal. É-se português pelo somatório das viagens que outros fizeram por nós, dos que foram e voltaram cheios de histórias mitificadas das Pasárgas que poderiam ter tido, mas também dos que não voltaram, dos que “queimaram as caravelas” e se entregaram aos novos mundos que fizeram seus.


O Brasil é o nosso álbum de memórias de um passado que é deles – não foram os nossos antepassados que colonizaram o Brasil, foram os antepassados dos brasileiros –, mas no qual não conseguimos deixar de nos sentir eternos figurantes no cenário de fundo. Às vezes, nessas encruzilhadas de paisagem que nos acordam um Portugal que, afinal, nunca conhecemos, foge-nos o pé patriótico para a tentação nostálgica da glorificação da gesta conquistadora, sem nos apercebermos que a face verdadeira da nossa glória, mais do que o saldo complexo da aventura colonial, está bem mais próxima de nós, está aqui nesta página, está nesta língua que nos une e cujas diferenças muito humanamente nos separam.


Ao longo de quase quatro anos no Brasil, coloquei sempre duas questões a mim mesmo: o que é hoje o Brasil para Portugal? E Portugal para o Brasil? Não sei se obtive ou obterei alguma vez a verdadeira resposta, mas ouso arriscar a minha.


No imaginário tradicional português, a independência do Brasil permanece como que se uma “jangada de pedra” se tivesse um dia afastado, num arroubo de um príncipe que transpirou a vontade de muitos, nela criando uma nação que éramos nós em sorridente, com mais música e alegria e com riqueza fácil à mão.


Os “brasis” foram sempre uma espécie de miragem para quem, em Portugal, sentia a aventura nas veias, para quantos, por ambição ou angústia, se decidiam a partir, muitas vezes sem o saber, para sempre. Para os portugueses, o Brasil era um destino muito diferente do de África, era mais acolhedor, menos perigoso e misterioso, algo mais próximo. Do outro lado do Atlântico, todos encontrariam um primo, uma afeição, uma hipótese para refazer a vida. Os que voltavam, traziam consigo como que um estranho vírus tropical de afectividade, um jeito informal e bizarro, uma forma de estar a que, por vezes, se associava uma ideia de inconstância ou de ligeireza. Mas o Brasil foi e permaneceu sempre, no sentimento profundo de muito portugueses, o último reduto da esperança, na busca por um melhor destino ou na luta pela liberdade. Ou um mero local de refúgio, a fronteira limite de uma mudança, como a casa de um familiar que nos acolhe numa crise de vida.


Pelo Brasil, durante largas décadas, muitos e muitos milhares de portugueses fizeram um trabalho árduo, geraram riquezas, às vezes para si próprios, quase sempre constituíram famílias que os “abrasileiraram”, foram leais a quem os acolheu bem, tornaram-se brasileiros de coração. Mas sempre cuidaram em guardar a memória dos vilarejos pobres de onde haviam partido e em alimentar, à sua maneira, o orgulho do país de que, sem o saberem, foram sempre os mais lídimos embaixadores. Por aqui ergueram instituições magníficas, deram lições de solidariedade e, na sua esmagadora maioria, tornaram a palavra seriedade como sinónimo de ser português no Brasil. E esse seu patriotismo sem baias levou a que, ironicamente, muitos acabassem por se identificar com o regime que, em Portugal, lhes não soube dar condições para poderem exercer esse direito natural que é cada um poder construir uma vida decente e próspera, sem ter, necessariamente, de sair do lugar onde nasceu.


Com o tempo, o Brasil mais verdadeiro, já não o Brasil virtual levado pelos “torna-viagem”, foi-se aproximando de Portugal e a sua imagem tornou-se-nos mais nítida: com a sua música eterna como fundo, servida por um “português com açúcar”, consumíamos as latas da goiabada e as resmas de “Cruzeiros” e “Manchetes” que os primos nos mandavam pelos natais. Nas suas páginas, como nos cantos do Juca Chaves e, mais tarde, do Chico Buarque, fomos aprendendo que, afinal, também por lá havia “amigos da onça”…


Amado, Veríssimo, Bandeira, Vinícius e tantos outros fizeram parte do mundo íntimo de muitos de nós. As novelas ensinaram-nos, com espanto, que o brasileiro também chorava – nem sempre sorria, nem tudo era carnaval e futebol. E percebemos melhor porquê, com a face patibular da ditadura militar a trazer-nos os exilados que encontrávamos por noites de Lisboa, onde vinham partilhar os cravos da festa do nosso contentamento. Com a liberdade já a passar por aqui, o Brasil foi-se definindo melhor aos nossos olhos – um país ambicioso, optimista, sempre “cordial” para quem lhe falava na língua quase comum. E, a cumular tudo isso, uma sociedade que procurou o caminho da reconciliação consigo própria, transformando-se numa democracia plena, que a atenuação das desigualdades reforça no dia-a-dia.


A prosperidade de uns tempos felizes trouxe os portugueses para as praias do Nordeste, onde aprenderam a apreciar a amenidade das gentes e se deliciaram com a descoberta de um “país sempre em férias”. Outros, mais engravatados nos negócios da modernidade, davam bom uso aqui aos capitais do novo ouro europeu, surpreendendo quem julgava que o português era prisioneiro eterno do bigode, do jeito fadista ou da postura seráfica, oscilando entre o bacalhau e a sardinha.


É que o imaginário do Brasil construiu-nos, pelos tempos, à semelhança de um imigrante-cliché, eternamente fixado na simplicidade do seu passado, rígido nos modos, linear na expressão, caricatura posta a jeito para a anedota fácil. Temos que saber entender que a “anedota do português”, quase sempre uma benigna erupção de alergia anti-colonial, é também, muitas vezes, um sintoma remanescente de alguma lusofobia, essa doença infantil da brasilidade que se espalhou por todo o século XIX e que parece ter deixado ainda uma marca residual em alguns sectores académicos e sociais contemporâneos.


Com o seu mundo a mudar, o brasileiro mudou-se para o mundo e arribou a Portugal em doses maciças, desaguando num país do tamanho de Pernambuco e com a população do Paraná. A crise dos dentistas havia revelado que algum Brasil nos sentia ingratos. Sou dos que entendem que a onda recente de brasileiros, esse teste definitivo à nossa apregoada tolerância, pode dar sangue novo às nossas relações e contribuir para que, no Brasil, a imagem de Portugal se cole mais ao país que hoje realmente somos, um retrato eventualmente não tão inocente e bastante mais real, do que temos de bom e de mau. E com o turismo, que agora é também a partir de cá, a aproveitar a imensidão de voos da TAP, quero crer que os brasileiros vão, em poucos anos, entender o que nós já sabemos por aqui de há muito – que é possível estar no estrangeiro sem, verdadeiramente, deixar de nos sentirmos em casa.


Mas, também do nosso lado, Portugal vai ter de aprender alguma coisa mais. Vai ter de perceber, de uma vez por todas, que a sua relação com o Brasil tem uma assimetria inescapável e eterna. Para nós, o Brasil “é” português, é uma “criação” nossa e, por isso, crises à parte, ser pró-brasileiro em Portugal é a opção mais natural e óbvia, salvo na mediocridade xenófoba e minoritária de alguns “pixadores” anónimos dos muros da nossa própria imagem.


Ora o Brasil é muito mais do que o que Portugal por aqui deixou, é uma sociedade onde africanos, alemães, japoneses, árabes, italianos e tantos outros se projectaram e ajudaram a construir um fantástico país, no qual livremente cultivam, sem qualquer pressão uniformizadora, as suas memórias e tradições. Por essa razão, porque não têm galos de Barcelos ou caravelas quinhentistas na sala, nada os obriga a reverenciar uma “terrinha” de onde não vieram os seus antepassados, de onde talvez só apreciem o bolinho de bacalhau ou o pastel de Belém, lugar de Lisboa que aliás não sabem muito bem onde fica – no que estão no seu pleníssimo direito. Por isso, quando a grande maioria de nós, portugueses, se junta a amigos brasileiros para apoiar, sem hesitação, o “escrete canarinho”, durante as “copas” por esse mundo fora, não devemos esperar uma retribuição idêntica. Temos de acordar para a realidade de que, em Blumenau, é a selecção alemã a escolhida ou que, na Móoca paulistana, a squadra azzura terá sempre preferência, pelo que a sorte do “time” português lhes será provavelmente indiferente, em especial depois da saída de Felipão.


Quem, em Portugal, não entender isto, não vai conseguir entender nunca o Brasil. O que não significa que nos não reste ainda muito em comum, a começar pela tolerância que permite esta sã convivência de culturas e pessoas – essa sim, uma das duas valiosas heranças que por aqui deixámos. A outra é a língua, soando diferente aos ouvidos, mas que liga ambos os países a outros continentes e que se procura agora evitar que se afaste na sua forma escrita, para melhor nos servir na nossa afirmação individual e colectiva pelo mundo.

Termino com duas constatações que são hoje as mais óbvias das ideias que formei no Brasil.

A primeira é que ter sido diplomata português no Brasil foi um privilégio que não trocaria por nenhuma outra experiência.

A segunda é que Chico Burque não tem razão: já não há 'tanto mar' a separar o Brasil de Portugal.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Campanha Ficha Limpa

Sobre o Povo


Há uma poesia belíssima de Cora Coralina intitulada ORAÇÃO DO MILHO. Ao lê-la preparei esta reflexão.

ORAÇÃO DO MILHO

Senhor, nada valho!
Sou a planta humilde dos quintais e das lavouras pobres.
Meu grão perdido por acaso, nasce e cresce na terra descuidada.
Ponho folhas e hastes e se me ajudardes, Senhor, mesmo planta de acaso solitária, dou espigas e devolvo, em muitos grãos, o grão perdido inicial, salvo por milagre, que a terra fecundou.
Sou a planta primária da lavoura, não me pertence a hierarquia tradicional do trigo e de mim não se faz o pão alvo universal.
O Justo não me consagrou o pão da vida, nem lugar me foi dado nos altares.
Sou apenas o alimento forte e substancial dos que trabalham a terra onde não vinga o trigo nobre; sou de origem obscura e de ascendência pobre, alimento dos rústicos e animais de jugo.
Quando os deuses da Hélade corriam pelos bosques coroados de rosas e espigas; quando os hebreus iam em longas caravanas buscar na terra do Egito o trigo dos faraós; quando Rute respigava cantando nas searas de Booz e Jesus abençoava os trigais maduros, eu era apenas o Bró, nativo das tabas ameríndias.
Fui o angú pesado e constante do escravo na exaustão do eito.
Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante.
Sou a farinha econômica do proletário; sou a polenta do imigrante e a miga dos que começam a vida em terra estranha.
Alimento de porcos e do triste mu de carga, o que me planta não levanta comércio, nem avantaja dinheiro.
Sou apenas a fartura generosa e despreocupada dos paióis,
Sou o cocho abastecido donde rumina o gado,
Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que amanhece,
Sou o cacarejo alegre das poedeiras à volta dos seus ninhos,
Sou a pobreza vegetal agradecida a vós, Senhor, que me fizestes necessário e humilde.
Sou o milho!


Lendo esta belíssima criação de nossa Cora Coralina, não conseguí evitar uma associação entre o milho e o povo. Acostumâmo-nos a singularizar pessoas e não povos. A História é feita de nomes: alguns odiados, outros memoráveis, nomes estes oriundos do anonimato, geridos na multidão de sem nomes...

Ao povo cabe o múnus de ora forjar heróis, ora mártires... Dele saem as forças armadas ou os voluntários da ajuda humanitária ao modo de um supra povo...
Ah, esse povo que elege seus líderes e se verga sob o peso do esquecimento daquele que alçou ao poder... Esse povo cheio de fé e boa-fé que coloca sua vida - orações vivas - no altar dos dias...de trabalho...todos os dias ao levar à mesa, por vezes, mirrado, seco pão temperado de suor que alimentará um novo líder... Povo que vota como quem diz "eu confio em você, você saiu de mim"... e se queda triste qual mãe a se entristecer com a ingratidão do filho...

Em cada batalha da História, em cada guerra que ainda hoje se trava - povo contra povo -, quantas vidas ceifadas para que a certeza de um povo se imponha em suas verdades ou mentiras , para que um povo se perpetue em seus avanços e recuos... Povo-alimento dos grandes nomes, "fartura generosa e despreocupada" dos grandes feitos...segue o povo no anonimato tecendo a História, imolando-se e tornando-se cinza de corpos sem medalhas ou condecorações, sem constar dos livros de História...
Povo que se insurge, por vezes, em revolta; povo às vezes expulso, refugiado em outros povos, emigrante forçado: é o Estado voltando as costas a quem o criou, à semelhança de pai a expulsar o filho de casa... Povo que é braços, pernas, pés e mãos, corpo que alimenta o cérebro da Nação...

Esse povo "que põe folhas e hastes" em qualquer pedaço de chão retribui com "espigas" e muitos novos, heterogêneos grãos à terra de homens... Povo que canta, dança e rí esquecendo suas tristezas, que tem orgulho de ser povo na alegria de seu folclore, de suas lendas, de seu saber "não científico" e, que se entristece com as armas, com os novos hábitos, com a incompreensão de outros povos, com o jeito do Futuro se impor...

Povo que não quer deixar de ser povo... que entende da sua "humildade e necessidade"...que sabe cantar - qual galos - a alegria de gerar nomes; que alimenta com fartura de risos e amor aquele que com suas palavras e atos alimentará sonhos de povos...

Povo que, por vezes, envereda por caminhos que não escolheria...se pudesse. Povo que se dilui em outros povos e vê triste e impotente a destruição de sua cultura... povo que retribui enriquecendo a cultura que os absorveu...

Ao pensar em "povo", penso em mim. Nada tenho da singularidade que me destacaria do povo. Cabem-me todas as palavras da poetisa e, dou-me conta, agradecida, de que minha "humildade" é essencial e necessária. Sim, sou mesmo a planta comum e forte a lançar meus grãos-mensagens neste chão - ora fértil, ora estéril ... Da hierarquia do "trigo" nem cogito...sou planta hibridizada por beija-flores... fortes-frágeis beija flores...

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A Hipocrisia do Amor ao Povo


"Estes amam o povo, mas não desejariam, por interesse do próprio amor, que saísse do passo em que se encontra; deleitam-se com a ingenuidade da arte popular, com o imperfeito pensamento, as superstições e as lendas; vêem-se generosos e sensíveis quando se debruçam sobre a classe inferior e traduzem, na linguagem adamada, o que dela julgam perceber; é muito interessante o animal que examinam, mas que não tente o animal libertar-se da sua condição; estragaria todo o quadro, toda a equilibrada posição; em nome da estética e de tudo o resto convém que se mantenha.

Há também os que adoram o povo e combatem por ele mas pouco mais o julgam do que um meio; a meta a atingir é o domínio do mesmo povo por que parecem sacrificar-se; bate-lhes no peito um coração de altos senhores; se vieram parar a este lado da batalha foi porque os acidentes os repeliram das trincheiras opostas ou aqui viram maneira mais segura de satisfazer o vão desejo de mandar; nestes não encontraremos a frase preciosa, a afetada sensibilidade, o retoque literário; preferem o estilo de barricada; mas, como nos outros, é o som do oco tambor retórico o último que se ouve.

Só um grupo reduzido defende o povo e o deseja elevar sem ter por ele nenhuma espécie de paixão; em primeiro lugar, porque logo reprimiriam dentro em si todo o movimento que percebessem nascido de impulsos sentimentais; em segundo lugar, porque tal atitude os impediria de ver as soluções claras e justas que acima de tudo procuram alcançar; e, finalmente, porque lhes é impossível permanecer em êxtase diante do que é culturalmente pobre, artisticamente grosseiro, eivado dos muitos defeitos que trazem consigo a dependência e a miséria em que sempre o têm colocado os que mais o cantam, o admiram e o protegem.

Interessa-nos o povo porque nele se apresenta um feixe de problemas que solicitam a inteligência e a vontade; um problema de justiça econômica, um problema de justiça política, um problema de equilíbrio social, um problema de ascensão à cultura, e de ascensão o mais rápida possível da massa enorme até hoje tão abandonada e desprezada; logo que eles se resolvam terminarão cuidados e interesses; como se apaga o cálculo que serviu para revelar um valor; temos por ideal construir e firmar o reino do bem; se houve benefício para o povo, só veio por acréscimo; não é essa, de modo algum, a nossa última tenção".

Agostinho da Silva, in 'Considerações'

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Deputados do Reino Unido



Os deputados do Reino Unido, na "Mãe dos Parlamentos",

1 . não têm lugar certo para sentar na Câmara dos Comuns;
2 . não têm escritórios, nem secretários, nem automóveis;
3 . não têm residência (pagam pela sua casa em Londres ou nas províncias); detalhe: e pagam, todas as suas despesas, normalmente, como todo e qualquer trabalhador;
4 . não têm passagens de avião gratuitas, salvo quando ao serviço do próprio Parlamento.

E o seu salário equipara-se ao de um Chefe de Secção de qualquer repartição pública.Em suma, são SERVIDORES do povo e não, PARASITAS do mesmo!

Texto recebido por e mail...

Voluntariado


Vejam que belo texto! "Assino em baixo"!

VOLUNTARIADO
Visto a camisa do voluntariado, e faço do meu tempo livre espaço e abraço aos defavorecidos. Espelho-me em meu próximo. Faço de sua dor o meu ardor, de seu sofrer o meu dever, de seu desamparo o ponto em que paro, ouço e destrilho-me do comodismo para ir ao seu encontro.
Abro as janelas do espírito e espano a poeira da dessolidariedade. Arranco os olhos da TV, a indolência da ociosidade e recolho a língua de inconfidentes mesquinharias. Vou até lá, onde a carência é expectativa de mão amiga: a creche da periferia, o hospital de indigentes, o asilo de memórias esquecidas, as instituições do terceiro setor comprometidas com o pão de cada dia da verdadeira democracia: a cidadania. Não faço o trabalho do poder público, nem o isento da obrigação de resgatar, o quanto antes, a dívida social. Não me disponho a ser mão-de-obra gratuita de entidades que sonegam o direito ao trabalho como o recibo adulterado da boa vontade alheia. Ser voluntário é somar esforços, entrar pela porta da compaixão e repartir o que nenhum mercado oferece ou provê: carinho, apoio, talento, cumplicidade, de modo a dar a vez a quem foi emudecido pela opressão, e voz a quem foi excluído pela injustiça. O voluntariado resgata a minha auto-estima, redesenha a minha face humana, desdobra as fibras endurecidas de minha abissal preguiça, insere-me na dinâmica social, faz-me próximo dessas multidões premiadas injustamente pela loteria biológica por nascerem empobrecidos. Eu poderia ser um deles. Meu bem-estar, mais que privilégio, é (b) ônus. Sou voluntária porque sou solidária, presente no universo das aflições, na esfera alucinada dos dependentes químicos, na saudável reinvenção do esporte junto àqueles que estão próximos a ser derrotados pelo jogo do crime. Mobilizo coletas de alimentos para quem sabe que "a fome é ontem", e trabalho em favor da conquista de direitos, para quem padece desmandos estruturais e políticos. Apoio empresas cientes de sua responsabilidade social. Busco torná-las elos da vasta corrente ética que já faz da obsessão do lucro sua única razão de ser, pois centram o ser humano em seus empreendimentos ecológicos, liberam funcionários para atividades voluntárias, sem reduzir-lhes salários ou cobrar-lhes reposição de horas. São empresas prestadoras do único serviço que não tem preço: o gesto samaritano. Não faço "caridade", nem dou esmolas. Longe de mim o assistencialismo que aplaca os descasos políticos como quem aplica pomadas. Voluntária, sou multidão. Solidária, sou mutirão. Somando com todos aqueles que têm fome e sede de justiça. Inebriada pela utopia bíblica do paraíso, recuso-me acatar qualquer uma das fraturas que negam à família humana o direito à fraternura. Dou as mãos a quem acredita que a felicidade é o artigo único da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Texto retirado de http://aeiou.visao.pt/voluntariado=f537578

Em tempo:
Portal do voluntário: http://portaldovoluntario.org.br/
Ajuda Brasil: http://www.ajudabrasil.com.br/6.379.html

sábado, 21 de novembro de 2009

A águia e a flecha

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Earth Song - o video proibido



Este video me foi indicado por e mail. Trata-se do single de maior sucesso de Michael Jackson no Reino Unido. Engana-se quem pensar que é Billie Jean, Beat it ou Thriller... Seu nome: Earth Song, de 1996. A letra é uma denúncia contra o desmatamento, pesca predatória, matança de animais, poluição. Earth Song nunca foi lançada como single nos EUA, historicamente o maior poluidor do Planeta; por isso, a maioria de nós nunca teve acesso a ele. Particularmente, fiquei impressionada com o trabalho de Mickael: a música é belíssima, as cenas impactam pelas imagens chocantes e reais paralelas à beleza do ambiente natural, a letra cumpre magnificamente o objetivo da conscientização ecológica. Recomendo a todos os meus amigos! Vale a pena esperar o Youtube carregar e assistir sem pausas!



Bem concebido, bem realizado, bem interpretado.
Bem intencionado.
Obrigatório ver! Mesmo para quem não é fã de M. Jackson...

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Antes e depois da posse


*ANTES DA POSSE*

Nosso partido cumpre o que promete.
Só os tolos podem crer que
não lutaremos contra a corrupção.
Porque, se há algo certo para nós, é que
A honestidade e a transparência são fundamentais.
Para alcançar nossos ideais
Mostraremos que é grande estupidez crer que
As máfias continuarão no governo, como sempre.
Asseguramos sem dúvida que
A justiça social será o alvo de nossa ação.
Apesar disso, há idiotas que imaginam que
Se possa governar com as manchas da velha política.
Quando assumirmos o poder, faremos tudo para que
Se termine com os marajás e as negociatas.
Não permitiremos de nenhum modo que
Nossas crianças morram de fome.
Cumpriremos nossos propósitos mesmo que
Os recursos econômicos do país se esgotem.
Exerceremos o poder até que
Compreendam que
Somos a nova política.

*DEPOIS DA POSSE*

*Basta ler o mesmo texto acima, DE BAIXO PARA CIMA*

Imagem retirada de http://www.popa.com.br
Texto recebido por e mail (desconheço a autoria)

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Uma homenagem à turma dos cabelos brancos


Essa é uma homenagem à turma de cabelos brancos.


Um jovem muito arrogante, que estava assistindo a um jogo de futebol, tomou para si a responsabilidade de explicar a um senhor já maduro, próximo dele, porque era impossível a alguém da velha geração entender esta geração.

"Vocês cresceram em um mundo diferente, um mundo quase primitivo!", o estudante disse alto e claro de modo que todos em volta pudessem ouví-lo."Nós, os jovens de hoje, crescemos com Internet , celular , televisão, aviões a jato, viagens espaciais, homens caminhando na Lua. Nós temos energia nuclear, carros elétricos e a hidrogênio, computadores com grande capacidade de processamento e ...," - fez uma pausa para tomar outro gole de cerveja.

O senhor se aproveitou do intervalo do gole para interromper a liturgia do estudante em sua ladainha e disse:

- Você está certo, filho. Nós não tivemos essas coisas quando éramos jovens por que estávamos ocupados em inventá-las. E você, um  arrogante dos dias de hoje, o que está fazendo para a próxima geração?

Foi aplaudido ruidosamente, de pé !
(mensagem recebida por e mail, desconheço o autor; imagem de http://mosaicos-cida.blogspot.com/2009_05_10_archive.html )

sábado, 31 de outubro de 2009

Aluna sendo expulsa da UNIBAN - A Fogueira atual


"Uma estudante causou alvoroço na Uniban, Universidade de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista. Tudo começou por que a jovem teria ido para universidade trajando um vestido rosa muito curto deixando assim os outros alunos alvoroçados. A PM teve que ser chamada ao local para conter os rapazes e moças que xingavam a estudante. As imagens, feitas de telefones celulares, mostram quando a jovem deixou a Uniban vestindo um jaleco branco, acompanhada dos policiais sob gritos, assobios e xingamentos".(http://www.youtube.com/watch?v=0g4LG4Tad3s )

Não tenho palavras para expressar o meu repúdio a atos como este! Rasgou-se a Constituição ...EM UMA UNIVERSIDADE! E eu que pensava que nas universidades estava a nata pensante do meu País...Eu que acreditava esperançosa que estes jovens seriam aqueles que iriam contribuir para um futuro mais ético, mais crítico, menos preconceituoso...Eu que me recusava a descrer do homem, que sempre lhe dava nova chance ao olhar para seus filhos... sinto-me abatida...

Será que tudo já está mesmo adulterado, desgastado, corrompido? Estamos em 2009 com valores de séculos atrás!O que me surpreende é o falso moralismo que ainda se faz presente, dita normas de conduta em um ambiente uni- verso!As fogueiras da Idade Média, os apedrejamentos em praça pública assistidos por todos (crianças, jovens, adultos e velhos unidos no dedo em riste) vestem hoje roupagens novas; porém, o manequim é o mesmo!

Evoluimos em nossa tão defendida Democracia? Estamos à altura de nossa Constituição? Temos realmente educado nossos filhos? Acreditamos de verdade nos valores que propaga nossa religião?

Creio que episódios como esse deveriam nos fazer pensar...Como diria um grande jornalista,Bóris Casoy, "isto é uma vergonha!"



quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Doação de sangue - Um convite


Da teoria à prática há por vezes uma enorme distância... Todos nós já tivemos contato, de uma forma ou de outra, com campanhas de solidariedade, de conscientização. Há aqueles que reconhecem o mérito da proposta, mas se limitam à uma concordância teórica, dolente assentimento de braços cruzados, aquiescência sentada em sofás... Mas há alguns que saem a campo, ativistas conscientes da importância de um gesto, de um ideal, de uma necessidade que se impõe: são estes que dão o exemplo, que realmente alavancam mudanças, que possibilitam soluções!

Esta postagem de hoje tem o intuito de colaborar na divulgação da campanha "Doe mais que um clique, doe sangue". Seus idealizadores: Marcelo Vitorino (http://www.inblogs.com.br/ ) e Edney Souza (http://www.interney.net/blogs/) . É com grande orgulho que convido meus amigos para participarem desta nobre iniciativa, seja sob a forma de divulgação em seus respectivos blogues, seja pelo efetivo ato da doação de sangue.


SAIBA SE VOCÊ PODE DOAR SANGUE. DESCUBRA O QUE VOCÊ PRECISA PARA TORNAR-SE UM DOADOR! (Fonte: Banco de sangue paulista)

Não deixe de fazer parte da campanha, mesmo que não possa doar atue como Embaixador, promovendo novas adesões.

Você deve ter mais de 18 e menos de 60 anos;
Seu peso deve ser superior a 50 kg;
Se homem, deve ter doado há mais de 60 dias;
Se mulher deve ter doado há mais de 90 dias; não estar grávida; não estar amamentando; já terem se passado pelo menos 3 meses de parto ou aborto;
Se você não teve Hepatite após os 10 anos de idade;
Se você não teve contato com o inseto barbeiro, transmissor da Doença de Chagas;
Se você não teve malária ou esteve em região de malária nos últimos 6 meses;
Se você não sofre de Epilepsia;
Se você não tem ou teve Sífilis;
Se você não é diabético;
Se você não tem tatuagens recentes (menos de 1 ano);
Se você não recebeu transfusão de sangue ou hemoderivados nos últimos 10 anos;
Se você não ingerir bebidas alcoólicas nas 24hs que antecedem a doação;
Se você estiver alimentado e com intervalo mínimo de 2 horas do almoço;
Se você dormiu pelo menos 6 horas nas 24hs que antecedem a doação;
Se você não se expõe ao risco de contrair o vírus da AIDS, tendo comportamentos como:
* não usar preservativos em relações sexuais
* Ter tido mais de dois parceiros sexuais nos últimos 3 meses
* usar drogas injetáveis

Antes da doação você vai passar por uma entrevista de triagem clínica, na qual podem ser detectadas algumas condições adicionais que possam impedir sua doação. Após cada doação serão realizados os seguintes exames em seu sangue:

Tipagem sangüínea ABO e Rh;
Pesquisa de anticorpos eritrocitários irregulares;
Teste de Coombs Direto;
Fenotipagem do Sistema Rh Hr( D,C,E.c,e) , Fenotipagem de outros sistemas;
Testes sorológicos para: Hepatite B, Hepatite C, Doença de Chagas, Sífilis, HIV (AIDS), HTLV I/II;

Todas as vezes que você doar sangue serão feitos todos esses testes, e você receberá o resultado em cada doação.

Esta é uma campanha de http://www.doemaisqueumclique.com.br/ . Neste link poderá encontrar diversos tamanhos e formatos de banner, caso queira colocar em seu blog e participar da divulgação.

Imagem de http://www.plenamulher.com.br/dicas.asp?ID_DICAS=249

domingo, 25 de outubro de 2009

Deus: Criador ou Criatura?


Este é o quinto texto da série Reflexões sobre Religião. Seria interessante ler o prefácio no texto número um (Ao pé da letra).

Desde os seus primórdios, o homem cria rituais de ligação com o sagrado. Houve várias etapas na idealização de Deus, a bem dizer, vários deuses foram apercebidos até se chegar a uma concepção não antropomorfizada de Deus.

A palavra Religião vem de re-ligare: ligar de novo, no caso, o homem a seu deus. Através da religião, com seus dogmas, seus símbolos e rituais pretende-se uma reaproximação do homem com o seu criador. Não há um consenso nas várias religiões no porquê dessa suposta separação e as explicações variam de acordo com as crenças.

Há várias formas de se conceber Deus, que traçam um sentido, um rumo na vida daqueles que Nele crêem. Para alguns, Deus é uma forma de explicação para a origem do Universo; Aquele que - onisciente e onipresente - julgará a todos e decidirá o destino do homem após a sua morte; é uma força, uma energia ou a própria Natureza; é o Grande Arquiteto do Universo...Para muitos, Deus é pai.

Há aqueles que respiram Deus 24 horas sacralizando o profano e desvalorizando o real e existem aqueles que dividem o tempo entre o trabalho, lazer e oração; aqueles que se intitulam intermediários de Deus e cobram pelo acesso a Ele; aqueles que afastam as pessoas de Deus por sua visão deformada a respeito dEle e aqueles que transformam os descrentes em Seus seguidores...

Existem aqueles que - ecléticos - procuram pedaços de Deus que lhe convêm em cada religião; há o agnóstico; existe aquele que se submete - narcisista - a leis severas e, sádico, a impõe a outrem; há aquele que condena - dedo em riste ; aquele que interpreta o que considerou sagrado; aquele que dogmatiza e não pondera...; aquele que na Ciência descrê de Deus e aquele que descobre Deus através da Ciência...

O universo religioso e o des-sacralizado podem-se harmonizar ou se antagonizar. Por exemplo, uma pessoa religiosa pode ser vista como virtuosa, um exemplo para os demais e, por outros, um chato, um alienado. O problema ocorre quando alguém tenta sobrepor sua verdade às verdades de outrem: cai-se aqui na intolerância religiosa, no fanatismo, no dogmatismo e, paradoxalmente, parece que nessa hora todos vêem que essa pessoa se afastou de seu Deus...


Sigmund Freud fez uma análise interessante sobre religião. Para ele, a criação de Deus segue um protótipo infantil e filogenético. Resumidamente, o homem repete as vivências mentais de sua tenra idade com seus pais e as transfere para Deus: quando crianças tínhamos razão para temê-los (especialmente o pai); todavia, paralelamente, sentíamo-nos seguros, pois nos protegiam contra os perigos que nos ameaçavam. Deus, então, seria uma produção imaginária dos homens. Vista a impossibilidade de que um pai terreno pudesse suprir todas as necessidades de amor e proteção de seu filho, o filho cria para sí um pai ideal. Isto explicaria o porquê de, para alguns, Deus ser um pai extremamente amoroso, enquanto para outros ele é castrador, exigente das regras (a Lei) a todo instante e, acima de tudo, um pai punidor...

Friedrich Nietzsche disse:" O homem em seu orgulho, criou a Deus a sua imagem e semelhança". Não acreditar em Deus implica em admitir para si mesmo desamparo, insignificância no vasto Universo. Como superar a sensação dolorosa de não ser mais o centro da criação? Não ser mais objeto de eterno e vigilante cuidado de uma Providência Divina? Abandonar a religião assemelha-se a abandonar a casa paterna, onde há conforto e segurança...Caminhar com os próprios passos por estradas escuras e desconhecidas, sem a luz da lanterna divina, é paralisante...

Sob outro aspecto, é inegável que a religião atua como um freio moral, mas nem sempre ético...É quando ocorrem mutilações, proibições irracionais, guerras santas em nome de um Deus que mata e que é "fiel" a quem lhe retribui a fidelidade...

Há uma retórica perigosa na religião que faz com que os argumentos se afastem, pela interpretação subjetiva de alguns, dos textos sagrados. Nessa tentativa de convercer-se e convencer a qualquer preço, criam-se verdades inquestionáveis e o perfil de um Deus ditador...

Penso que as verdades religiosas são o reflexo da procura de uma verdade acima do conhecimento comum e limitado de nossa mente. Necessitamos de explicações para o que não conseguimos entender,decifrar. Esbarramos, por vezes, na razão, que não consegue entendê-las e acercâmo-nos da fé - porto seguro que nos ampara. Vejo como um real problema não a crença, a fé em Deus e sim, o esquecer-se de problematizar que o dogma incita. Agindo assim, é suficiente crer, sem saber muito porque se crê ou para que se crê.Esquecido o homem de edificar a si mesmo, qual criança a confiar nos pais, frequenta templos por obrigação, cria rituais fechados e excludentes, cria um Deus preconceituoso com os filhos dos outros...(os que não lhe são "fiéis")

É comum o fato de cientistas, particularmente na área da Física Quântica, ao começarem céticos e agnósticos suas pesquisas, tornarem-se defensores da crença em Deus. Qual o porquê dessa "conversão"? Talvez o simples fato de que fé e razão deixaram de ser vistas como antagônicas: diluindo-se o fideísmo e o racionalismo, a fé brotou distinta da razão.

Disse Kierkegaard: "Há dois meios de ser enganado. Um é acreditar no que não é verdadeiro; o outro é recusar a acreditar no que é verdadeiro". Não vou discutir aqui o conceito de "Verdade".Apenas penso que na procura da verdade, seja ela qual for, respostas nos são dadas, por vezes, quando adentramos caminhos que antes considerávamos impercorríveis. É do confronto com o adverso, do debruçar consciente sobre o incógnito que por vezes surge uma nova verdade...mais consistente, novo paradigma - amplo a ser descoberto...Nessas novas premissas descobre-se a falácia das anteriores, superam-se as antíteses, constroem-se novas sínteses...e "assim caminha a humanidade"...


Antes que me queimem nas modernas fogueiras: creio em Deus! Não sei se este Deus é semelhante ao do leitor, mas não creio que a minha verdade, a minha percepção é a única que deva ser reconhecida como real, "verdadeira"! Não imponho essa minha concepção de Deus aos outros, nem estou certa de que Ele me revelou - e só a mim - a Sua face. Nem concebo que Ele tenha uma face, pois não o antropomorfizo...

Sobre fundamentalismo



Este é o quarto texto da série Reflexões sobre Religião. Seria interessante ler o prefácio no texto número um (Ao pé da letra).

O termo "fundamentalista" surgiu nos Estados Unidos, em 1909, quando os irmãos Lyman e Milton Steward publicaram "The Fundamentals: a testimony of the truth", em doze volumes, cujo conteúdo se centrava na exortação dos protestantes a um retorno da interpretação literal da Bíblia. Este termo é comumente associado à religião; porém,encontrâmo-lo em outras áreas, por exemplo, econômica, científica, política, ideológica...Em todos, a viga mestra é dada pela fiel observação a certos princípios que são tidos como verdades acabadas, que devem ser aceitas por todos - "para seu próprio bem" - e com rigor extremo.

No campo da Ciência, uma atitude fundamentalista rejeita que determinada teoria possa ser refutada: isso leva ao estagnar do progresso científico e ao crédito, por vezes, de paradigmas falsos.

No campo político, são exemplos os grandes ditadores que, ao imporem a idéia de que determinado regime político é o melhor, viam-se quase como os portadores da "Boa Nova" política,não admitindo à História um curso normal, pois que criam estar a concretizar o utópico futuro idealizado pelo povo que os alçou ao poder...



Na Economia, a postura fundamentalista condiciona ao Mercado - e somente a este - a grande e única lei que deve reger o processo produtivo, dando vida ao chamado "capitalismo selvagem"...Já no campo ideológico, divide as pessoas em classes, aponta culpados pela divisão, divide países, como de certa forma aconteceu com a "sacralização" da palavra de Karl Marx...

Fundamentalismo, no campo religioso, é uma concepção através da qual o livro sagrado (Bíblia, Alcorão, por exemplo) deve ser lido, interpretado de uma forma literal e, seguidas à risca suas instruções, pois a Palavra não permite interpretações...Este tipo de fundamentalismo normalmente surge de uma insatisfação com determinado sistema valorativo, de um desamparo político que abre caminho, através de uma teodisséia, para o estabelecimento de padrões de conduta embasados numa volta a sistemas tradicionais.

Aqui podem-se abrir dois caminhos:

1- uma rejeição da modernidade, pois é inconcebível o aerar de novas idéias, visto que as diretrizes a serem seguidas já foram apontadas pelo próprio Deus , constam do livro sagrado e todos os males vieram ou virão do seu descumprimento;

2- não haverá uma negação da modernidade "latu sensu", mas sim a submissão desta aos parâmetros ditados por uma teocracia, ou seja, uma sacralização do moderno.



Apesar de encontrarmos facetas do fundamentalismo em várias religiões, normalmente lembramo-nos - nós ocidentais - do Islamismo . Particularmente depois do ataque às Torres gêmeas , islamismo passou a ser considerado - mesmo que erroneamente - um sinônimo de fundamentalismo...Ao largo do fato de que a imensa maioria de islâmicos pratica sua religião isenta de fanatismo, a mídia lhe concedeu esse estigma embasada no que eu poderia chamar de predisposição fundamentalista:afinal de contas, "o Islão foi desde o início uma religião da espada que glorifica as virtudes militares" e " Maomé é recordado como um valente guerreiro e um comandante militar competente" (ambas as citações de Samuel Huntington, in O choque das civilizações)...

Referí-me atrás à sensação de desamparo que antecede a atitude fundamentalista.No fundamentalismo religioso, a legitimidade da postura nem sempre advém de uma leitura literal do texto sagrado e sim, de uma adesão à releitura deste texto por um líder político.Aqui, carisma e liderança continuam inseparáveis; porém, dão voz a povos que anseiam por valores diferentes que contrabalancem o roto paradigma em que se crêem inseridos pela modernização ditada pelo mundo ocidental.Amparados numa autoridade divina, e portanto incontestável, readquirem, pois, orgulho próprio e com ele...a certeza absoluta de que estão no caminho certo...



É esse o aspecto do fundamentalismo que mais nos assusta! Embora nem todos os fundamentalistas, particularmente os islâmicos, sejam partidários de uma interpretação literal do Alcorão, de uma supressão da modernidade, da violência (como o Taleban, por exemplo), o que é digno de atenção é o aspecto ditatorial com que ele se reveste. Nesta tentativa de "conversão" de tudo o que afronta os pilares de sua fé, a sacralização do mundo é vista como bem imprescindível e a extinção dos "novos hereges" serve a um fim nobilíssimo: o cumprimento da palavra divina! Justificam-se assim os massacres de povos que ousam ter leituras diversas do Divino e os ataques terroristas.Como que cruzados modernos, é necessário invadir, anexar, ampliar territórios em nome de uma interpretação que se acredita única e final...Como os valores são extraídos de dogmas, Amor pode muito bem justificar uma conversão pela força, se necessário...

É interessante notar que, em quase todas as religiões, o Amor e a Vida são alçados à categoria do Sublime. Então, como se justificariam os massacres, guerras santas à luz do fundamentalismo? Aqui ocorrerá uma deturpação útil: o assassinato é tido como uma missão do guerreiro divino na luta contra o "Mal" encarnado e, a própria morte e seu martírio, um agraciar supremo da divindade, uma medalha pelo "bom combate"...

Inegavelmente, uma atitude fundamentalista religiosa afigura-se-me uma defesa paradoxal a verdades que são alçadas a patamares inalcançáveis pelos mortais, apenas conhecidas em sua íntegra (alcance e finalidade) pelo Divino e, por isso mesmo, impossíveis de serem galgadas por simples mortais...Constroem-se muros em torno de virtudes na tentativa de reconstrução do que já se encontra esfacelado, pois subjugado a exo- padrões.Neste jogo de defesas surge na figura do outro o símbolo do "Mal": destruí-lo é preservar-se; é deixar intactas a cultura, as convicções, as tradições, as certezas...Em um mundo em que tudo está em constante mutação, em que progressos tecnológicos não acompanham a evolução da própria mente que os criou, em que leis mudam ao sabor dos acontecimentos ou de quem ocupa o poder, em que líderes tropeçam nas esquinas da História, é mais seguro ancorar-se no porto das verdades inquestionáveis...O problema é que neste porto há um farol: e é a partir dele que se atira para abaterem -se os barcos que carregam a tolerância...



Da intolerância cega ocorre a refratariedade ao diálogo, a intransigência, o fanatismo, a violência, a morte em nome de um Deus...Enquanto os homens se arvorarem em proprietários de uma verdade acontecerão massacres em nome da verdade de alguns; enquanto os homens se digladiarem em torno da posse de um Deus, acontecerão guerras santas...

Intolerância e fanatismo


Este é o terceiro texto da série Reflexões sobre Religião. Seria interessante ler o prefácio no texto número um("Ao pé da letra").

Foram os iluministas, à época das lutas religiosas entre católicos e protestantes, que mobilizaram a opinião pública francesa (com reflexos mundiais) contra a intolerância à qual viam-se submetidos - vítimas do fanatismo -, por seu livre pensar. Sendo assim, historicamente, o termo tolerância é posterior e consequente ao de intolerância.


Se, em outros campos, a intolerância provocou o Holocausto,a escravidão negra, o massacre de povos indígenas, no campo religioso, aliada ao fanatismo provocou a Santa Inquisição , a Noite de São Bartolomeu, as Cruzadas ,a prática de mutilações (extirpação de clitóris, por exemplo), o ataque ao World Trade Center, o surgimento dos kamikases, a coisificação da mulher sob o Taleban, entre outros atos...


A intolerância tem suas raízes na não-aceitação do diferente; espezinha semelhantes sob o olhar agudo que só ressalta e reprova a diferença...O intolerante, ao deparar o diverso, é incapaz de vê-lo como uma outra possibilidade do pensar pois, a sua leitura da realidade não admite um olhar que possa se antagonizar a ela.

Trata-se de um comportamento aprendido: ninguém nasce intolerante, com preconceitos. Adquirímo-los pelo que assimilamos, pelo que nos é transmitido inicialmente em nossa micro-sociedade, isto é, a família.Do modo com que a família lida com as várias facetas da razão alheia, vamos construindo nossos pilares, nossos "dogmas" particulares (dependentes de nossa plasticidade) e, nos inserindo em grupos de pessoas, de pensamentos semelhantes aos nossos. Tais grupos se formam de acordo com nosso ambiente sócio-cultural, nossa idade, e entre outros, nossa religião (ou ausência dela).

Ao fazermos parte de um determinado grupo ou ao intentarmos dele participar, uma condição "sine qua non" é a da semelhança entre os membros.Isso significa que há um critério que o define e que garante a exclusão do membro, no caso de divergência de leituras. É quando entra em cena a discriminação...

A discriminação surge de um estranhamento do outro: se aceito que meu comportamento é o normal, o necessário, o correto, qualifico o comportamento de quem dele se desvia como anômalo; se penso que minha cultura é superior e, por um revés da História, fui subjugado como povo, encho-me de preconceitos e crio piadas depreciativas ( loiras, negros...), por exemplo, para encobrir minha revolta, meu orgulho ferido; se vejo nos escritos religiosos verdades absolutas, dou o primeiro passo em relação ao fanatismo e alisto-me no "exército" a serviço de um Deus que mata...

Creio que a raíz da intolerância religiosa reside no fato de cada religião possuir a certeza de que sua verdade é absoluta, de que o seu Deus é o verdadeiro. A grande contradição é que, na maior parte delas, são princípios basilares o amor, a paz e a tolerância ao próximo...

A questão que coloco não é fazer uma apologia a esta ou àquela religião e sim, repensar sobre porque o diferente incomoda tanto, gerando a intolerância, muitas vezes agressiva e até mesmo assassina quando atrelada ao fanatismo.O que proponho não é uma tolerância no sentido "morno" da palavra, teórica, isto é, condescender, consentir que o outro me ladeie mas, que não adentre o meu grupo.Isso não passa de um preconceito velado (por exemplo, preconceito racial, sexual em países com uma Constituição que criminaliza tais condutas), a encobrir uma real indiferença ao outro, a disfarçar um sentimento de superioridade...

Proponho que paremos de "demonizar" as religiões diferentes da nossa; que haja um respeito mútuo - mesmo que na impossibilidade de confrontação dos dogmas de cada uma - ao Deus que todas proclamam ser justo e bom, criador de tudo e de todos...


O que proponho é que deixemos de inventar novas fogueiras para lançarmos, sob o fogo de argumentos medievais com novas roupagens, aquele cuja crença é diferente da nossa...Não proponho uma tolerância cega, promíscua, que afronta a dignidade e os supra valores (como a Vida, por exemplo), que assenta suas bases na total permissividade : isso aniquilaria qualquer possibilidade de convivência em sociedade.As palavras que definem e resumem minha proposta: respeito (ao diferente) , plasticidade (capacidade de adaptação), conhecimento ("Todo mal advém da ignorância"-Sigmund Freud).

Sobre o dogma


Este é o segundo texto da série Reflexões sobre Religião.Seria interessante ler o prefácio no texto número um ("Ao pé da letra").
A palavra grega "dogma" tem origem nos termos "doxa" (opinião) e "dokein" (o que se pensa ser bom). Comumente associada às religiões,pode ser definida como um pilar de sustentação de uma fé. Em termos religiosos, as doutrinas são deduzidas a partir de uma verdade revelada: negá-la implica na rejeição de um dogma. O dogma, então,é uma declaração de fé que se situa na dimensão do imutável; questioná-lo é arguir o incompreensível aos olhos infantís daquele que não crê...o que, na verdade, é um dogma na defesa de outro.

Um dogma surge de uma necessidade de construção de um edifício doutrinário; no caso das religiões, como uma forma de proteção e conservação da Palavra de Deus dada a alguém.São exemplos: a maternidade divina de Maria e sua assunção aos Céus, a ascensão de Jesus ( lembrando que a palavra assunção tem um caráter de passividade e, ascensão, de atividade), a reencarnação para o Espiritismo, a crença de que Maomé é um enviado de Alah,entre outros.

Embutida na palavra dogma encontra-se o conceito de Verdade absoluta, imutável, estática e, a meu ver, em contradição com o Universo e com Aquele que a "revelou" a alguém.Parece-me uma tentativa de prender o adimensional a uma humana dimensão.No texto número um referí-me aos males que podem advir de uma interpretação ao pé da letra de um texto - no caso, religioso. Nesse engessar de palavras, um dogma passa ao largo de qualquer interpretação literal, visto que nem mesmo pode ser interpretado, por ser uma questão de fé.Isso impede que possa ser visto como uma analogia, um simbolismo e dá margem a crenças infantís como Adão e Eva, ao choque entre práticas religiosas e científicas (por exemplo, proibição do uso de preservativos, de transfusões sanguíneas), à não-inserção na realidade contemporânea, à marginalização e formação de uma bipartição da mente que - dinâmica - não se permite presa mas, atrelada ao estático se vê na obrigação de se curvar...


Comparativamente, encontramos dogmas não só em religiões. É quando validam ideologias, quando assumem um caráter político,econômico ou científico. No campo político houve uma célebre frase que dizia: O rei nunca erra... Uma posição dogmática em Ciência, por exemplo, leva à construção de paradigmas onde não há espaço para a contestação: endeusa-se uma teoria (a "Palavra" do cientista) e abandona-se a tentativa de refutá-la (lembremo-nos que Isaac Newton ousou contestar o pensamento de sua época, dando origem ao paradigma newtoniano e, por sua vez, Einstein ousou contestar Newton, originando a Teoria da Relatividade...).Já dizia Descartes (in Discurso do Método, 1637): "O conhecimento e a ciência exigem trabalho, questionamentos sistemáticos e método.O dogmatismo é o pior companheiro da Filosofia"...

Em minha visão, dogmas são limites que, apesar de construírem e darem sustentação à uma teoria, crença, ideal - como quisermos chamar-lhes- geram contradições. No caso específico das religiões, quando ocorre a não-consciência dos seus significados simbólicos, gera-se o risco de se servir a um hábito ou tradição. Nasce um grupo de seguidores que se contentam com sequências mecânicas de atos num superficial ritualismo.Nascem repetições das quais não se entende, por vezes,sequer o que é dito,seja em missas, cultos ou outro nome que tenham as cerimonias religiosas.

Penso que arguir um dogma não deve ser considerado - hoje - uma heresia digna das modernas fogueiras que a intolerância pode construir...A adequação da "Palavra" ao contemporâneo deve servir não para destruí-la e sim, para extrair or princípios morais e culturais que ajudem a guiar o tempo presente. Quem quer estar a serviço de Deus, seja Ele que nome tenha, mais faria se não O visse como um princípio e fim estáticos, aqui inclusa a Sua Palavra...Quem quer estar a serviço de Sua Criação (leia-se homens, Ciência, Governo etc.) melhor faria se se apaixonasse pelos sentidos da Palavra retirando-lhe a conotação de verdade absoluta, para enfatizar o lado dinâmico do "re ligare" (sentido original da palavra Religião: ligar de novo, no caso, o homem ao seu Deus)...

Ao pé da letra


Dou início com essa postagem a uma série de reflexões sobre Religião. Pretendo discutir temas como Dogma, Intolerância religiosa, Fundamentalismo, Fanatismo. Antes que seguidores das várias religiões me crucifiquem, antecipo que não pretendo gerar mal-estares, nem carregar uma bandeira de determinada religião ; e sim, analisar, de forma limitada e subjetiva, algumas questões que ultrapassam o campo religioso. Antevejo bem o caminho cheio de minas que vou percorrer; porém, minha proposta neste espaço é me forçar a pensar sobre determinado tema; à semelhança de um exercício mental, aqui venho para - antes de tudo - expor meu pensamento. Nesse dar-se a conhecer tenho recebido pérolas: meus amigos virtuais! Para eles - e aos que ainda virão - acima de tudo meu respeito: às suas posições divergentes ou convergentes, ao seu silêncio...

A seguir, um excerto que encontrei e inspirou-me a postagem de hoje:

E-mail enviado por um estudante de teologia de Boston para Laura Schlessinger, uma personalidade do rádio americano que distribui conselhos para pessoas que ligam para seu show.

Recentemente ela disse que a homossexualidade é uma abominação de acordo com Levíticos 18:22 e não pode ser perdoada em qualquer circunstância.

O texto abaixo é uma carta aberta para Dra. Laura, escrita por um cidadão americano e também disponibilizada na Internet:

"Cara Dra. Laura

Obrigado por ter feito tanto para educar as pessoas no que diz respeito à Lei de Deus. Eu tenho aprendido muito com seu show, e tento compartilhar o conhecimento com tantas pessoas quantas posso.

Quando alguém tenta defender o homossexualismo, por exemplo, eu simplesmente o lembro que Levítico 18:22 claramente afirma que isso é uma abominação. Fim do debate.

Mas eu preciso de sua ajuda, entretanto, no que diz respeito a algumas leis específicas e como seguí-las:

a) Quando eu queimo um touro no altar como sacrifício, eu sei que isso cria um odor agradável para o Senhor (Levítico 1:9). O problema são os meus vizinhos. Eles reclamam que o odor não é agradável para eles. Devo matá-los por heresia?

b) Eu gostaria de vender minha filha como escrava, como é permitido em Êxodo 21:7. Na época atual, qual você acha que seria um preço justo por ela?

c) Eu sei que não é permitido ter contato com uma mulher enquanto ela está em seu período de impureza menstrual (Levítico 15:19-24). O problema é: como eu digo isso a ela ? Eu tenho tentado, mas a maioria das mulheres toma isso como ofensa.

d) Levíticos 25:44 afirma que eu posso possuir escravos, tanto homens quanto mulheres, se eles forem comprados de nações vizinhas. Um amigo meu diz que isso se aplica a mexicanos, mas não a canadenses. Você pode esclarecer isso?

Por que eu não posso possuir canadenses?

e) Eu tenho um vizinho que insiste em trabalhar aos sábados. Êxodo 35:2 claramente afirma que ele deve ser morto. Eu sou moralmente obrigado a matá-lo eu mesmo?

f) Um amigo meu acha que mesmo que comer moluscos seja uma abominação (Levítico 11:10), é uma abominação menor que a homossexualidade.Eu não concordo. Você pode esclarecer esse ponto?

g) Levíticos 21:20 afirma que eu não posso me aproximar do altar de Deus se eu tiver algum defeito na visão. Eu admito que uso óculos para ler. A minha visão tem mesmo que ser 100%, ou pode-se dar um jeitinho?

h) A maioria dos meus amigos homens apara a barba, inclusive o cabelo das têmporas, mesmo que isso seja expressamente proibido em Levíticos 19:27. Como eles devem morrer?

i) Eu sei que tocar a pele de um porco morto me faz impuro (Levítico 11:6-8), mas eu posso jogar futebol americano se usar luvas? (as bolas de futebol americano são feitas com pele de porco)

j) Meu tio tem uma fazenda. Ele viola Levítico 19:19 plantando dois tipos diferentes de vegetais no mesmo campo. Sua esposa também viola Levítico 19:19, porque usa roupas feitas de dois tipos diferentes de tecido (algodão e poliester). Ele também tende a xingar e blasfemar muito. É realmente necessário que eu chame toda a cidade para apedrejá-los (Levítico 24:10-16)?

Nós não poderíamos simplesmente queimá-los em uma cerimônia privada, como deve ser feito com as pessoas que mantêm relações sexuais com seus sogros (Levítico 20:14)?

Eu sei que você estudou essas coisas a fundo, então estou confiante que possa ajudar.

Obrigado novamente por nos lembrar que a palavra de Deus é eterna e imutável.

Seu discípulo e fã ardoroso".


Devido ao grande valor que é atribuído à Bíblia por judeus e cristãos, surgiu um natural desejo de aprofundamento dos estudos sobre esta obra e, consequentemente, do sentido de sua mensagem. Esse foi o ponto de partida e o fundamento de uma ciência chamada Hermenêutica, que consiste no estudo dos princípios gerais de interpretação bíblica, em cujos métodos inclui-se a exegese (interpretação crítica dos textos). Da interpretação de textos religiosos ampliou-se o seu foco para além da Religião, vindo também a História, o Direito e a Filosofia a serem campos de seu interesse.
Como a Bíblia é aceita como "a palavra de Deus", não há um princípio hermenêutico único, podendo ser destacados, por exemplo, quatro tipos de interpretação: literal, moral, alegórica e anagógica. Desses , ater-me-ei à interpretação literal.

E, o que é uma interpretação literal? É aquela que é feita isenta de uma contextualização. Especificamente em relação à Bíblia, este tipo de interpretação está intimamente associada à convicção de que a mensagem divina ( frases ou palavras isoladas) não permite leituras.Aqui não se leva em consideração, por exemplo, as diversidades de estilos encontradas nos vários momentos históricos da compilação dos textos bíblicos.

Em Direito, há na Hermenêutica Jurídica, entre vários princípios que se complementam, um que enuncia que um texto legal, quando redigido de forma clara, objetiva, não necessita ser interpretado, não havendo, pois, a necessidade de se buscar o sentido (finalidade) e o alcance da norma (seu campo de incidência): é o Princípio "In claris cessat interpretatio". Este, usado de uma forma isolada dá margem a injustiças, à cristalização e à petrificação da norma jurídica ("dura lex, sed lex"..., "summa jus, summa jura"...). No campo da interpretação bíblica, levará à intolerância religiosa, ao fundamentalismo e a graves distorções do significado do texto religioso.

Interpretar um texto - religioso ou não - é inferir, isto é, é um olhar sobre o implícito e o explícito. É um processo dependente de aspectos linguísticos, extralinguísticos e cognitivos. Após uma decodificação inicial terá lugar uma formulação das representações mentais sobre a mensagem em sí. Analisar-se-ão os argumentos.

O que são argumentos? Esclareço com um exemplo: se digo, por exemplo, que na União Européia a moeda é o Euro, temos aqui uma informação. Porém, se a essa informação acrescento quais os efeitos, os motivos da criação dessa moeda, faço nascer um argumento. Um argumento, pois, é aquilo que explica, faz a defesa de uma idéia,justifica uma proposição.; sem ele temos fragmentos de informação carentes de um sentido e de retórica.
Num texto religioso, como nos demais, há uma sucessão de argumentos e suas consequentes imbricações no real interno (de cada pessoa) e também no real externo, aqui representado pelo conjunto de pessoas (seitas, grandes troncos religiosos como o Cristianismo, o Islamismo, por exemplo). O que ocorre numa interpretação literal, a meu ver,é uma dessalinização dos argumentos.Ao retirá-los do mar contextual em que se encontram, perdem o sabor que os caracterizou à época em que foram escritos...

Sabe-se que a comunicação é uma via de mão dupla: a relação transmissor/receptor de uma mensagem é permeada por subjetividades,é dependente de uma reflexa compreensão para que não ocorram "ruídos" (falhas de comunicação) . Pois bem, ocorrem ruídos quando retiramos um argumento de seu contexto.. Sabemos que no tempo das Escrituras havia uma tradição oral; ao se passar da oralidade para a escrita insere-se todo um contexto pré-literário , vivencial que deu origem à uma necessidade de um texto escrito...Esquecemo-nos que houve uma intenção, uma utilização da oralidade para fins - entre outros - retóricos.

Fazendo uma analogia, do estudo da Literatura tem-se que os períodos literários (por exemplo, Classicismo, Romantismo, Realismo...) são uma adequação aos reclamos de uma época,retratam insatisfações, refletem determinado momento histórico . Há gêneros literários.Ora, com a Bíblia isso não é diferente: nela notamos diferentes gêneros literários, os quais nos indicam diferentes contextos sociais, diferentes situações, diferentes momentos, diferentes necessidades, diferentes finalidades, diferentes públicos-alvo...diferentes compiladores...
Creio que o maior furto ( ou porque não? roubo) que se pode fazer em termos de interpretação de um texto - seja ele qual for - é retirá-lo de seu momento histórico...Os abusos de interpretação ou o dissecar de palavras e textos ao pé da letra podem conduzir a situações lamentáveis como a conduta da apresentadora do programa de rádio exposta acima e a consequente resposta irônico-crítica do ouvinte...Levam à impressão de que - como disseram criticamente certos estudiosos -" a Bíblia é um livro onde cada qual procura o que deseja e sempre encontra o que procura..".

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