domingo, 25 de outubro de 2009

Punição por não falar Amém: MORTE!


Hoje sinto-me na obrigação - até mesmo moral - de tecer alguns comentários depois da divulgação de duas notícias que repercutiram bastante na mídia nacional e internacional. A primeira refere-se ao caso da menina de 9 anos (em Alagoinha/ estado de Pernambuco, Brasil; vide http://www.portalcostanorte.com/editorias/Geral/75146.html), estuprada e engravidada pelo padrasto, que teve a gravidez gemelar (de alto risco) interrompida. Esse procedimento rendeu uma excomunhão à sua mãe e a toda a equipe médica que fez a intervenção. A segunda notícia relatou que uma mãe em Baltimore (estado de Maryland, EUA; vide http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2009/04/090401_mortebebe_fp.shtml) interrompeu a alimentação de seu filho de 1 ano e 4 meses porque ele deixou de falar Amém antes das refeições, levando-o à morte por inanição por orientação de sua própria igreja...

Particularmente, minha reflexão de hoje é sobre a fé. Antecipadamente aviso ao leitor que não pretendo fazer uma apologia a esta ou àquela religião e sim, lançar um olhar - o meu olhar - sobre este assunto.

À época em que escreví esta reflexão, o mundo cristão vivia a última semana da Quaresma, um período muito propício à reflexão. Pelo que sei, todas as religiões possuem um período similar, de reflexão, entre suas particularidades, da fé. E o que é a "fé" (do grego, pistia; em latim, fides)? "A fé é a expectativa certa de coisas esperadas, a demonstração evidente de realidades, embora não observadas" (Hebreus, 11.1) . Se, por um lado, ela é a certeza de "salvação", de outro, a fé em Deus não é um privilégio desta ou daquela religião (Jesus disse que filho de Deus é todo aquele que em Deus tem fé, seja judeu ou gentio...). Assim como há diferentes concepções de Deus, há variantes de fé. Uma delas: a fé cega.

A fé cega é ignorante de sua própria "razão" intrínseca. A razão de quem a possui converte-se num discurso de manipulação e aniquilamento. É uma fé que retira do homem a liberdade e a dignidade. E o que é o homem sem a sua liberdade e dignidade? Penso que, por certo, não mais a "semelhança" de seu Criador... Qual o sentido num re-ligare de um farrapo humano a um antropomórfico/tirano deus? Qual o propósito em transformar seres humanos em fantoches manipulados por um destino/ ausência de livre-arbítrio? Onde a certeza de que esta ou aquela religião contém a "Verdade"? E de onde o direito de exclusão dos "infiéis" (os que não professam a mesma fé)? "NENHUM REINO QUE SE DIVIDE CONTRA SI MESMO PODE SUBSISTIR (Mt. 12:25), eis a resposta que Jesus deu aos seus injuriadores...A palavra "fé" precisa, por vezes, passar pelo crivo da racionalidade. Isto significa que, precisa sim, ser responsável, consciente da época, das consequências dos atos em seu nome.

A título de ilustração apenas, relembro a época da Quaresma. Há uma campanha muito interessante neste período: a Campanha da Fraternidade. O tema de cada ano é um recorte de algum aspecto da realidade sócio-econômico-política que precisa ser trabalhado, dando-se ênfase na fraternidade como peça-chave na solução dos problemas que se apresentam numa determinada comunidade. Repito, sem querer fazer uma apologia a qualquer religião (sempre deixo isso bem claro!), penso que isso é fé viva e consciente; fé que renova a consciência de que a responsabilidade de se alcançar uma sociedade justa e igualitária é de todos - não de dirigentes políticos, não dos deuses, não de sacerdotes e pastores...ou qualquer outro nome que tenham os líderes religiosos! Trata-se de uma responsabilidade minha e sua! De uma responsabilidade de todos!


Esta fé que enxerga é o avesso da cega fé. Daquela que permite matar em nome de Deus, que mutila (por exemplo, pela circuncisão, pela clitoridectomia, pelas penas de Talião), que enriquece os bolsos daqueles que afirmam estar em suas bocas as palavras de Deus, daqueles que exigem a fidelidade monetária às custas da penúria familiar de seus pobres rebanhos... Esta fé vendada é aquela que permite a excomunhão das vítimas, que estilhaça corpos de homens-bomba, que faz uma mãe matar seu próprio filho por ele não balbuciar Amém...

Estou velha. Sinto-me velha. Em minha idade, permito-me (e já me permitem) falar o que penso. Penso no re-ligare, a origem da palavra religião... É preciso religar o homem a si mesmo: é preciso um resgate de dignidade; são urgentes a ponderação e o questionamento, o respeito à Vida em todas as suas manifestações. Em minha concepção de Deus, minha fé me diz que sou seu templo vivo: no altar de minha mente está minha consciência; minhas preces são o resultado do grau de solidariedade e respeito que mantenho com Sua criação e, o grande "sacrifício" que faço todo dia é meu burilar interno...

O Amor parece ser uma Lei fundamental nas religiões. A fé, nesse sentido, deveria nos aproximar da fraternidade, da transformação consciente do mundo - transformação essa que começa dentro de si... Vejo uma conexão entre "Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo" e "Conhece-te a ti mesmo". Quando somos capazes de reconhecer no outro nossas angústias, nossas fraquezas, abrimos espaço para o diálogo, para a compreensão por afinidade. E a fé em Deus contribuirá para que haja uma participação consciente no equilíbrio da Criação.

Esta fé é aquela que devolve ao homem sua dignidade, que não permite que se extingam espécies, que não tolera o amordaçar da liberdade, do livre-arbítrio, do livre-pensar. Esta fé é viva e gera harmonia e não guerras e mortes.; anda de braços dados com o conhecimento racional, com a Ciência; religa...muitas vezes sem a intervenção de nenhuma igreja... Esta fé é aquela que não permite a discriminação, que não deixa os homens e seus governos se corromperem... Esta fé prescinde de fórmulas prontas para rezar e mesmo de lugares e posições determinadas para tal; ela não se alimenta de jejuns ou de datas especiais... Esta fé religa pelo Amor, por atos e exemplos, pela retidão de caráter... ela ampara, ouve, dialoga; não é uma fé que mutila, que exclui, que roga pragas... Esta fé religa os povos na fidelidade do preceito máximo do Amor e não faz seres humanos agirem como assassinos de infiéis... trata de curar e não adoecer as mentes sãs, ao lhes inculcar preceitos vãos, descabidos de propósito na inocente tabula rasa das crianças... "Bem aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus" (Mateus 5:29)

Pensemos nas  Quaresmas - uma época em que o re-ligare visa ao crescimento espiritual através da prática dos princípios essenciais da fé - no sentido de nossa fé, mas não só nelas, em todas as épocas. Arguamos nossa fé e seu propósito. Não há heresia no questionar; saibamos usar essa centelha divina a que chamamos inteligência humana...

"Eu não creio no Deus que os homens fizeram, mas creio no Deus que fez os homens" (François Marie Arouet: Voltaire, filósofo francês)

"A ciência sem a religião é paralítica, e a religião sem a ciência é cega" (Albert Einstein)

"Não creiais em coisa alguma pelo fato de vos mostrarem o testemunho escrito de algum sábio. Não creiais em coisa alguma com base na autoridade de mestres e sacerdotes. Aquilo, porém, que se enquadrar na vossa razão e, depois de minucioso estudo, for confirmado pela vossa experiência, conduzindo ao vosso próprio bem e ao de todas as outras coisas vivas: A isso aceitai como Verdade. Por isso, pautai a vossa conduta". (Gautama Buda, 500 a.C.)

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