quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A Hipocrisia do Amor ao Povo


"Estes amam o povo, mas não desejariam, por interesse do próprio amor, que saísse do passo em que se encontra; deleitam-se com a ingenuidade da arte popular, com o imperfeito pensamento, as superstições e as lendas; vêem-se generosos e sensíveis quando se debruçam sobre a classe inferior e traduzem, na linguagem adamada, o que dela julgam perceber; é muito interessante o animal que examinam, mas que não tente o animal libertar-se da sua condição; estragaria todo o quadro, toda a equilibrada posição; em nome da estética e de tudo o resto convém que se mantenha.

Há também os que adoram o povo e combatem por ele mas pouco mais o julgam do que um meio; a meta a atingir é o domínio do mesmo povo por que parecem sacrificar-se; bate-lhes no peito um coração de altos senhores; se vieram parar a este lado da batalha foi porque os acidentes os repeliram das trincheiras opostas ou aqui viram maneira mais segura de satisfazer o vão desejo de mandar; nestes não encontraremos a frase preciosa, a afetada sensibilidade, o retoque literário; preferem o estilo de barricada; mas, como nos outros, é o som do oco tambor retórico o último que se ouve.

Só um grupo reduzido defende o povo e o deseja elevar sem ter por ele nenhuma espécie de paixão; em primeiro lugar, porque logo reprimiriam dentro em si todo o movimento que percebessem nascido de impulsos sentimentais; em segundo lugar, porque tal atitude os impediria de ver as soluções claras e justas que acima de tudo procuram alcançar; e, finalmente, porque lhes é impossível permanecer em êxtase diante do que é culturalmente pobre, artisticamente grosseiro, eivado dos muitos defeitos que trazem consigo a dependência e a miséria em que sempre o têm colocado os que mais o cantam, o admiram e o protegem.

Interessa-nos o povo porque nele se apresenta um feixe de problemas que solicitam a inteligência e a vontade; um problema de justiça econômica, um problema de justiça política, um problema de equilíbrio social, um problema de ascensão à cultura, e de ascensão o mais rápida possível da massa enorme até hoje tão abandonada e desprezada; logo que eles se resolvam terminarão cuidados e interesses; como se apaga o cálculo que serviu para revelar um valor; temos por ideal construir e firmar o reino do bem; se houve benefício para o povo, só veio por acréscimo; não é essa, de modo algum, a nossa última tenção".

Agostinho da Silva, in 'Considerações'

5 comentários:

  1. É isso. O povo fica sempre na mó de baixo e só serve de trampolim para aqueles que têm a arte de seduzir e que que vêem alcançados os seus objectivos esquecem-no, ignoram-no e abandonam-no.
    Já vimos que são as oposições que mantêm o discurso de defesa das injustiças sociais e dos mais desprotegidos. Mas quando passam a ocupar o executivo...a "paixão" que mostravam sentir pelo seu objecto transfere-se, e com tal rapidez isso acontece que ficamos aturdidos e incrédulos.
    Um fraternal abraço
    Nau

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  2. "Nenhum de nós poderá,num momento qualquer,garantir que a sua doutrina seja a que encerre a verdade, os desmentidos surgem a cada passo, as incertezas vão sendo mais fortes á medida que se penetra com maior informação e mais atenta inteligência no mundo que nos cerca". AGOSTINHO DA SILVA

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  3. Boa tarde amiga
    Confesso que não conheço a obra de Agostinho da Silva(salvo alguma citação aqui e ali), mas sei que é muito apreciado, especialmente por uma geração estudantil ...
    Quanto ao extracto que escolheste,é a verdade pura e dura, aqueles que mais falam na defesa do povo são os querem se servir do poder para defenderem os seus próprios interesses, mas tudo isto é bastante complicado ... ou será simples ?
    Estou convencida que as pessoas em geral não são parvas (algumas andam distraídas) mas falta-lhes alguma alternativa credivel para darem o salto qualitativo, claro que há sempre pessoas que estarão sempre agarradas a valores retógrados...
    Aqui em Portugal a situação politica está cada vez mais degradada, mas "eles" continuam cantando e rindo, de corrupção em corrupção,
    e nós cada vez mais pobres, infelizes e o pior de tudo sem esperança....
    Um beijo Leninha e bom fim de semana

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  4. Já lhe escrevi um longo comentário mas não lhe chegou por que aqui a ligação da Net é fraca. Só gostaria de lhe dizer: Leninha, que este professor era um anarquista mas muito respeitado mais no Brasil do que aqui! Quando voltou para o seu Pais, desdobrou-se a dar entrevistas a tudo o que era Televisão. Com aquela Barba hirsuta a condizer com o que ele defendia... e eu assisti ao lançamento de vários livros da sua autoria da EDITORIAL NOTICIAS, pertencente ao Diário de Noticias onde trabalhava na altura. Pouco conheço deste Homem... mas os Brasileiros conhecem... da sua obra de criar Faculdades e Escolas...
    Abraço ao meu Homónimo Agostinho da Silva, esteja ele onde estiver!
    Não acredito que uma inteligência como a dele, se tenha esvaziado de todo como ele gostava de dizer...
    Abraço Leninha
    do Luís Sio/Agostinho da Silva, também.

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  5. Amiga vim cá ver onde estava o post de que me fala mas não encontrei.
    Agostinho da Silva a sua origem é da mesma terra da minha mãe.
    Fizeram uma estátua dele agora no verão e eu estive a ver fazer desde o bloco de pedra.

    Beijinhos
    Manuela

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